|    16 out 2018

Viagem rumo à Meca da música clássica

No dia 20 de outubro, nossa Orquestra dedica um concerto inteirinho à Alemanha romântica de Schumann, Beethoven, Mendelssohn e Richard Strauss.

por Paulo Sérgio Malheiros dos Santos *

 

Ludwig van Beethoven viveu a transição dos séculos XVIII e XIX, entre o apogeu do Classicismo musical vienense e o início do Romantismo, quando a obra de Haydn e Mozart consolidara a supremacia germânica na música europeia. Foi, portanto, contemporâneo do revolucionário movimento pré-romântico alemão Sturm und Drang – Tempestade e Ímpeto –, liderado por escritores como Schiller e Goethe. Reagindo à tendência racionalista do Iluminismo anterior, esses poetas exaltavam a emoção sobre o intelecto, a fantasia e a originalidade acima do formalismo e do senso comum. Foi da leitura de Schiller que Beethoven formou sua opinião – expressa na Ode à Alegria da Nona Sinfonia – sobre o poder da arte para conduzir os homens a níveis mais elevados de comportamento e convivência. E, em 1810, quando foi convidado a escrever a música de cena para uma reapresentação vienense da tragédia Egmont, de Goethe, Beethoven sentiu-se tão honrado que abriu mão dos honorários. A magistral Abertura ganhou vida própria nas salas de concerto – resume a trajetória do herói que, sacrificando-se pela liberdade de seu povo, transforma sua morte em vitória.

 

Com o advento dos concertos pagos, o Romantismo trouxe para a música a ideia do artista independente, genial, respeitado e endeusado pelo público. Um dos músicos mais festejados de sua época, Felix Mendelssohn exemplifica essa nova ordem social. Filho de um poderoso banqueiro israelita, menino prodígio, recebeu uma educação sofisticada, abrangendo ciências, artes e o melhor do cânone da música ocidental. Suas obras aliam a elegância e o refinamento da escrita clássica a um espírito já romântico que se mantém sincero, bem-comportado, às vezes idílico. Na Sinfonia nº 5, Mendelssohn emprega algumas melodias tradicionais da liturgia luterana, visando à celebração, em Augsburgo, do tricentenário da Reforma de 1530 – entre elas, o coral utilizado por Bach, em 1730, para a mesma comemoração. Por motivos políticos, a Sinfonia só estreou em 1832, em Berlim, regida pelo próprio compositor. Como maestro, Mendelssohn foi ousado e exerceu forte influência na vida musical de seu tempo. Reapresentou a Paixão segundo São Mateus de Bach, exatamente um século após sua estreia; revelou ao público a Grande Sinfonia em Dó maior de Schubert e divulgou, em primeiras audições, a música renovadora de Schumann, cuja carreira incentivou incondicionalmente.

 

Robert Schumann viveu o Romantismo de maneira radical (até o fascínio e os terrores da loucura) e converteu em estímulos musicais várias aspirações do movimento – o mistério da noite, a infância, a floresta encantada, as terras distantes. Manifestando a pluralidade de seu mundo interior, toda sua música traz um aspecto biográfico. Mestre incontestável nas peças para piano e nos Lieder de encanto permanente, o compositor só se consagrou à música de câmara na maturidade. Escritos no ocaso de sua vida, os Contos de fadas, op. 132, preservam o dom genial de Schumann para criar, em poucos compassos, um intenso sentimento poético – comovente confidência de seus últimos momentos de lucidez.

 

Os filósofos românticos valorizaram a Música como singular caminho para o reino espiritual, capaz de exprimir sentimentos profundos não contidos nas palavras. Ao mesmo tempo, o Romantismo cultivou o ideal grego das artes irmãs, incentivando entre elas um diálogo permanente. Consagrada por Berlioz, Liszt e Wagner, desenvolveu-se a ideia do poematismo, ou seja, a ordenação do discurso sonoro pela lógica motriz de ideias extramusicais. A partir do final do século XIX, Richard Strauss, em seus muitos poemas sinfônicos, contribuiu de maneira muito pessoal para a continuidade da música programática. Entretanto, a formação inicial de Strauss fora marcada pela orientação conservadora do pai, trompista famoso, antiwagneriano declarado que só apreciava os compositores clássicos. A Suíte para sopros é uma obra da juventude, composta aos vinte anos de idade. Os dois primeiros movimentos revelam sua matriz mozartiana. Nos dois últimos, já se vislumbra o estilo sinfônico do grande orquestrador Strauss, um dos maiores compositores alemães da geração pós-wagneriana, também célebre por sua brilhante trajetória como regente.

 

* Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

 

[Ilustra esta página um recorte da imagem que ilustra a Dieta de Augsburgo, nome dado às reuniões que aconteceram na cidade alemã de Augsburgo. As sessões aconteceram de 952 até 1582, sendo que as do século XVI culminaram na Reforma protestante. Na Dieta de 153 foi apresentada a Confissão de Augsburgo, documento central na reforma de Martin Lutero.]

 

REFERÊNCIAS

Para ler

François-René Tranchefort – Guia da Música Sinfônica (Nova Fronteira – 1990)

Émile Vuillermoz – Histoire de la Musique (Fayard – 1973)

 

SHUMANN
Para ouvir
CD Robert Schumann – Chamber Music – Märchenbilder, op. 113; Fantasy Pieces, op. 73; Adagio and Allegro, op. 70; Three Romances, op. 94; Fairy Tales, op. 132; Violin Sonata nº 1 in A minor, op. 105 | The Nash Ensemble (Hyperion Records – 2012)

 

Para assistir
Trio Canoë – Jean-François Normand, clarinete – Marina Thibeault, viola – Philip Chiu, piano
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=uNZlnmuSG7o

Felix-Andreas Genner, clarinete – Gilad Karni, viola – Anna Keiserman, piano
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=1BSOsqER3go

 

RICHARD STRAUSS
Para ouvir
CD Richard Strauss – Serenade; Sonatina; Suite; Symphony – London Winds – Hyperion – 1997 (2 CDs)

Para assistir
University of Michigan Symphony Band – Michael Haithcock, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=GTFYzzaoJzM

 

MENDELSSOHN
Para ouvir
CD Felix Mendelssohn – Symphony no. 5, “Reformation”; Overture Ruy Blas; Calm Sea and Prosperous Voyage | London Symphony Orchestra – Sir John Eliot Gardiner, regente (LSO Live – 2015)

 

Para assistir
Frankfurt Radio Symphony Orchestra – Jérémie Rhorer, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=otcrnrQAwD8

 

BEETHOVEN
Para ouvir
CD Beethoven – Sinfonias nos 2 e 8; Abertura Egmont | Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – John Neschling, regente (Biscoito Fino – 2005)

 

Para assistir
New York Philharmonic – Lorin Maazel, regente
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=DWNl2D8Zytg

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