Alá e Lolli: Suíte Cita, op. 20

Sergei PROKOFIEV

(1914/1915)

Instrumentação: piccolo, 3 flautas, 3 oboés, corne inglês, requinta, 3 clarinetes, clarone, 3 fagotes, contrafagote, 8 trompas, 5 trompetes, 4 trombones, tuba, tímpanos, percussão, 2 harpas, celesta, piano e cordas.

 

Sergei Prokofiev nasceu numa abastada família de agricultores no interior da atual Ucrânia. O contato com línguas estrangeiras e artes e as constantes visitas à Ópera de Moscou revelaram ainda muito cedo o talento daquele que se tornaria uma das principais referências musicais na Rússia pós-revolução. Aos onze anos, Prokofiev já trabalhava na composição de sua segunda ópera, da qual apenas algumas páginas são conhecidas. Iniciou seus estudos formais de composição com Reinhold Glière em 1902 e, no ano seguinte, foi apresentado a Glazunov, que convenceu seus pais a mandá-lo para o Conservatório de São Petersburgo. Entre os anos de 1904 e 1914, Prokofiev estudou composição, piano e regência nessa instituição. Ao final, como presente de formatura, ganhou de sua mãe uma viagem para Londres.

 

Na Inglaterra, Prokofiev descobriu Daphnis et Chloé de Maurice Ravel e teve a oportunidade de assistir aos balés O pássaro de fogo, Petrushka e A sagração da primavera, de Igor Stravinsky. Foi apresentado a Sergei Diaghilev por um amigo e pôde mostrar-lhe seu Segundo Concerto para Piano, op. 16. Acreditando ter conhecido o novo Stravinsky, Diaghilev encomendou-lhe a composição de um balé e sugeriu-lhe que procurasse o poeta simbolista Sergei Gorodetsky para que este lhe providenciasse um libreto. Gorodestsky era, à época, o principal promotor do retorno ao paganismo russo entre os compositores de vanguarda. Seu livro de poemas Yar, publicado em 1906, servira de inspiração tanto para a ópera A donzela da neve, de Rimsky-Korsakov, quanto para o balé A sagração da primavera. Entre 1914 e 1915, Prokofiev e Gorodetsky trabalharam na história de Alá e Lolli. Trata-se de uma história do antigo povo cita, popularmente associado, na Rússia da época, à selvageria e à violência. É essa associação que Prokofiev explora musicalmente em seu balé através da acumulação de dissonâncias, do uso insistente de ostinato e do recurso a longas passagens em fortíssimo, intensificadas pela grandiosidade da orquestração.

 

Antes mesmo do término da composição, Diaghilev abandonou o projeto, e o descontente Prokofiev decidiu transformar o material em uma suíte de quatro movimentos formalmente convencionais. O primeiro movimento – A Adoração de Veles e Alá – é um allegro com dois temas que, através da exploração de frenéticos ostinatos, sugere o ritual cita de invocação do deus Veles, o deus Sol. Na forma de um scherzo e trio, o movimento O Deus Inimigo e a Dança dos Espíritos das Trevas retrata o momento em que os citas, realizando seus sacrifícios para Alá, filha de Veles, são cercados pelo Deus Inimigo acompanhado de seus sete espíritos da noite. O movimento lento A Noite evoca os infortúnios de Alá que, cativa do Deus Inimigo, é ajudada e consolada pelas filhas da lua. O rondó final – A Gloriosa Partida de Lolli e o Cortejo do Sol – apresenta o herói cita Lolli. Apaixonado por Alá, Lolli enfrenta o Deus Inimigo numa batalha desigual, mas, ajudado pelo Deus Sol, derrota seu oponente ao nascer do dia.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.

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