Concerto para piano em Sol maior

Maurice RAVEL

(1929/1931)

Instrumentação: piccolo, flauta, oboé, corne inglês, requinta, clarinete, 2 fagotes, 2 trompas, trompete, trombone, tímpanos, percussão, harpa, cordas.

 

A escrita pianística de Ravel descende diretamente de Liszt e, com o início do século XX, enumera uma série de obras-primas incontestáveis, como Jeux d’eau (1901), a Sonatina e as Valses nobles et sentimentales. Nas cinco peças de Miroirs e no tríptico Gaspard de la nuit, Ravel utiliza-se de fascinante virtuosismo instrumental. Na suite Le tombeau de Couperin (1917), o compositor homenageia seis amigos mortos na Primeira Guerra e, simultaneamente, reverencia a tradição musical francesa do século XVIII. Com essa obra Ravel interrompe sua produção para piano solo. O instrumento, a partir de então, aparecerá em formações de câmara, com voz ou junto à orquestra, nos concertos de 1931.

 

Os dois concertos para piano foram compostos simultaneamente. O compositor, que se divertia e motivava-se com os desafios artísticos, explorou, com a máxima segurança e o maior sucesso, um terreno no qual nunca antes se arriscara. Foram suas duas últimas obras de importância, seguidas somente de um ciclo de canções, Don Quichotte à Dulcinée, compostas para o cinema no ano seguinte. O Concerto em Sol foi iniciado antes, mas o Concerto para a mão esquerda foi estreado primeiro. Há uma grande diversidade de forma e conteúdo entre eles, o que os faz, sob alguns aspectos, complementares. Por outro lado, além dos elementos bascos e espanhóis característicos de Ravel, ambos refletem a influência do jazz, como consequência da viagem de cinco meses que o compositor realizara, em 1928, aos Estados Unidos.

 

No Concerto em Sol maior, Ravel, segundo suas próprias declarações, referencia dois modelos: Mozart, quanto ao plano formal, e Saint-Saëns, pela valorização do efeito sonoro. De fato, o brilhantismo da orquestra raveliana, principalmente dos sopros, aqui se equipara ao virtuosismo do instrumento solista. O primeiro movimento, Allegramente, tem caráter dançante. O tema inicial aparece no flautim sobre pizzicatos dos violinos e das violas, com os violoncelos em trêmulos e os arpejos do pianista sobrepondo as tonalidades de Sol e Fá sustenido maior. Após um crescendo com glissandos ao piano, esse primeiro tema é reafirmado pelos trompetes. Caberá ao corne inglês preludiar o início do outro tema, meno vivo, confiado ao solista em lânguida melodia de acentos jazzísticos.

 

Para o Adagio assai, em torno do qual se articula todo o concerto, Ravel inspirou-se no andamento lento do Quinteto com clarinete de Mozart. O movimento principia com longo solo do piano – lírica melopeia de trinta e três compassos. E termina como um sonho, desvanecendo-se em longuíssimo trinado.

 

O terceiro movimento, Presto, alterna três temas, separados por quatro acordes martelados. De início, uma corrida do piano, seguido pelo clarinete, o flautim e o trombone; o motivo central tem um colorido folclórico; e o terceiro tema apresenta-se como uma marcha ritmada, nas trompas e no trompete, retomada depois pelo solista. No todo, esse Presto final transmite a alegria de uma festa campestre no país basco.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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