Concerto para violoncelo, op. 67

Hans Gál

(1944)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, tímpanos, percussão, cordas.

 

Em bem-humorada nota de programa, escrita em 1951 por Hans Gál para a estreia inglesa de seu Concerto para violoncelo, o autor se abstém de uma abordagem descritiva, preferindo imergir numa reflexão sobre os desafios de se escrever uma obra concertante: “como chegar a um equilíbrio ideal entre uma música sinfonicamente concebida e a divertida leveza de uma brilhante parte solo, de personalidade dominante, em seu cerne? É possível esquivar-se da principal dificuldade, ignorando um desses dois fatores principais, mas o resultado nunca é inteiramente satisfatório em um sentido artístico”, escreveu o compositor. E encerra a questão: “o sucesso de um concerto depende, acima de tudo, do destaque que o compositor consegue dar ao personagem central, tornando-o uma figura interessante e original, e se ele fornece à sua música a forma peculiar e a textura adequadas para esse fim”.

 

Hans Gál foi compositor, professor, escritor e musicólogo. Nasceu em 1890, numa pequena aldeia nos arredores de Viena, e na capital austríaca realizou os estudos musicais, doutorando-se em 1913. Estudou piano com Richard Robert e composição com Guido Adler e Eusebius Mandyczewski, amigo de Johannes Brahms. Hans Gál seguiu os passos iniciados por Mandyczewski na tarefa de editar a obra completa de Brahms e tornou-se reconhecido mundialmente por esse importante trabalho. Em 1929, Gál tornou-se diretor do Conservatório de Mainz, na Alemanha. Porém, quatro anos depois, quando Hitler subiu ao poder, Gál, de família judia, foi forçado a emigrar para a Escócia, passando a lecionar na Universidade de Edimburgo por muitos anos.

 

Em 1940, Mussolini declarou guerra à Grã-Bretanha e à França. O primeiro-ministro inglês Winston Churchill, temendo uma possível insurreição dos “estrangeiros inimigos”, ordenou o isolamento imediato de todos os alemães, austríacos e italianos que viviam no Reino Unido. Gál foi separado da esposa e dos dois filhos e enviado para os acampamentos de Huyton e Douglas. Lá, manteve um diário, publicado sob o título Music behind barbed wire: a diary of summer 1940 (Música por trás do arame farpado: um diário do verão de 1940). Os efeitos da guerra foram devastadores para o compositor, após a morte natural de sua mãe, o suicídio de sua irmã e de sua tia – ao saberem que iriam para Auschwitz. Também seu filho mais novo, exilado aos dezoito anos, tirou a própria vida.

 

A vinda da filha Eva para perto dos pais, em 1944, ajudou Hans e sua esposa, Hanna, a superar os trágicos episódios. No mesmo ano, Gál iniciou a composição de seu Concerto para violoncelo, obra na qual transparecem os traços do seu refinado estilo, firmemente enraizado na tradição clássica austro-alemã e marcado por clareza formal, textura contrapontística e densa harmonia. Dos anos seguintes à guerra até sua morte, aos 97 anos, Hans Gál e sua obra – tanto musical quanto textual – foram celebrados, principalmente no Reino Unido. Permanece desde então a possibilidade de desfrutar da pureza dessa música em todos os continentes, com a divulgação da arte de um compositor sutil, pouco conhecido, porém de extrema precisão e competência.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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