El amor brujo: Suíte

Manuel de Falla

(1914/1915, revisão 1916) (versão 1925)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, oboé, corne inglês, 2 clarinetes, fagote, 2 trompas, 2 trompetes, tímpanos, percussão, piano, cordas.

 

Andaluz por parte de pai e catalão por parte de mãe, Manuel de Falla familiarizou-se cedo com a música folclórica espanhola na sua forma mais genuinamente popular, cotidiana. Em sua obra, o compositor celebra a Espanha com uma profusão de motivos e ritmos fulgurantes – mas sua abordagem do folclore revela-se atualizada com as renovações musicais do começo do século XX.

 

O balé El amor brujo foi escrito para Pastora Imperio, à época, a mais prestigiada dançarina de flamenco. A ação, repleta de magia e superstições, acontece na Andaluzia. Baseia-se na lenda de um ciumento cigano morto, cujo espectro reaparece sempre que sua amada Candelas procura um novo amor. No final, a jovem cigana e o namorado Carmelo conseguem trocar o beijo que definitivamente afasta as maléficas aparições do Fantasma.

 

Os números da suíte apresentam-se sem interrupção.

 

Na Introdução e Cena, um breve chamado orquestral de poucos segundos retrata, com o tema do amor brujo, a fúria do espectro enciumado. Noite. Na gruta (a de Sacromonte, em Granada) iluminada apenas pela chama do braseiro, os ciganos se reúnem. Nas cordas graves, ouvem-se o mar e o vento, ao longe. A trompa soa em soturno motivo, repleto de magia. As cartas revelam a sorte adversa de Candelas em seus amores. O oboé improvisa o tema do abandono. A desditosa jovem entoa a Canção do amor doloroso que se desenvolve em melismas e ornamentos, dentro de reduzido âmbito melódico (de fá a si). As cordas fazem o rasqueado das guitarras, enquanto o piano percussivo e as madeiras marcam o ritmo dos tacões.

 

A breve Aparição do Fantasma, simulada pelos glissandos do piano e das cordas, conduz à Dança do terror. Trata-se do antiquíssimo baile cigano da tarântula, acentuando o caráter enlouquecido do espectro com rápidas notas em staccatti.

 

As ciganas formam um Círculo mágico, ao redor de Candelas, para protegê-la do Fantasma – a orquestra traz, então, um pouco de paz, narrando o Romance do Pescador, em sereno caráter modal.

 

Soam os doze toques da Meia-noite, hora mágica de celebrar a poderosa Dança ritual do fogo, capaz de afugentar os espíritos maus. A orquestração se inspira nos cantos de forja dos ciganos – os trêmulos iniciais das cordas sugerem as chamas; e o piano, o metal sendo trabalhado.

 

Um breve intermezzo, Cena, destaca os arabescos do oboé e da flauta, em volutas que recordam antigas vocalizações árabes. Servem de introdução à breve Canção do fogo-fátuo, com acompanhamento muito leve e ponteado (como de violão): cordas, piano, trompa, clarinete e flauta.

 

A Pantomima seguinte apresenta o mesmo ansioso motivo inicial do amor brujo — última aparição do Fantasma. A orquestra logo se acalma para iniciar a dança de Carmelo: um amoroso tanguillo de Cádiz (compasso 7/8) em clima de grande ternura.

 

Na Dança do jogo do amor, iniciada pelo acompanhamento do piano, Candelas canta sua vitória. Após hábeis modulações, os Sinos do amanhecer desfazem os temores noturnos e anunciam, com brilho, o triunfo do amor sobre o maléfico sortilégio.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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