Identidades

Leonardo Margutti

(2014)

Obra encomendada pela Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Estreia mundial em 26 de agosto de 2014 no Grande Teatro do Palácio das Artes.

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 2 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, cordas.

 

Leonardo Margutti cursou Composição na UFMG, onde explorou a música de tradição europeia, especialmente as vanguardas pós-seriais. No mesmo período, Margutti descobriu o jazz. Após a graduação, e sob orientação de Cláudio Dauelsberg, dedicou-se ao improviso, à prática da linguagem harmônica do jazz e, principalmente, ao extensivo estudo de ritmos brasileiros ao piano, que o levaram a novos paradigmas estéticos, comprometidos com uma linguagem conciliatória entre identidades musicais distintas. Em 2007 muda-se para Londres onde, com bolsa do projeto Alban do CNPQ, cursa mestrado e doutorado em composição no King’s College London. Esse período favorece um retorno à tradição europeia, com ênfase nas vanguardas dos séculos XX e XXI, potencializado pela oportunidade de lecionar análise musical do século XX sob orientação do professor Arnold Whittall, eminente musicólogo britânico.

 

Margutti explora divergências e contradições entre música de concerto, as vanguardas do século XX e as tradições populares brasileira e do jazz. Acreditando que tais contradições são “geradoras de imprevisibilidade e de tensões musicais”, resolve-as pela subversão ou questionamento de toda regra, em busca de continuidade, espontaneidade ou imprevisibilidade, impulsionando assim um discurso musical sempre novo. Em março de 2014 estreou em Londres a obra Of instance and memory, resultado da subversão de preceitos acadêmicos a favor de uma miscigenação musical.

 

Diversificado em seus modelos, encontra em György Ligeti uma resposta ao “mainstream do pós-guerra europeu”, em especial pelo tratamento da música, por parte de Ligeti, como fenômeno sonoro e não apenas como resultado de “controladores externos musicalmente estéreis”. Dutilleux contribui para a orquestração de Margutti; César Camargo Mariano, para seu tratamento minucioso de ritmos brasileiros; Bach, para seu contraponto e Chopin, para sua concepção melódica. Tanto a literatura como recentes pesquisas sobre memória e epigenética, a exemplo do trabalho de Eric Kandel, o ajudam a definir sua poética.

 

Identidades sintetiza um percurso marcado por interesses diversos. Pensada a partir de um longo tema melódico do qual se extraem variantes livres e independentes, a obra reserva a cada variante uma identidade própria, segundo afinidades e interesses do compositor. Desse modo, emergem elementos fugais, uma pequena passacaglia e até mesmo um quase samba, articulados não por tema e variação, ou exposição e desenvolvimento, mas a partir de um mecanismo literário inspirado em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. No romance, os diálogos de Riobaldo com o leitor formam a linha articulatória entre momentos de narrativa não linear; em Identidades, a textura orquestral inicial de caráter “suspenso, atemático e misterioso” conduz o ouvinte de uma identidade a outra, até a revelação final: a longa linha melódica. Uma obra sobre estilos, afinidades e construção da identidade composicional.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.

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