O idílio de Siegfried, WWV 103

Richard WAGNER

(1870)

Instrumentação: Flauta, oboé, 2 clarinetes, fagote, 2 trompas, trompete, cordas.

Primeira apresentação com a Filarmônica: 10 de maio de 2018

 

Ao contrário do que frequentemente acontece, e a despeito da coincidência dos nomes, O idílio de Siegfried não é um excerto de Siegfried, terceiro drama musical de O Anel do Nibelungo. Na verdade, sucede quase o contrário. O fato é que Siegfried, a ópera, foi concluída em 1871, dois anos depois da composição de O idílio de Siegfried. A estreia da ópera deu-se em 1876 e a do Idílio, no ano seguinte ao de sua composição. Wagner começou a trabalhar em Siegfried ainda em 1851, a partir da elaboração do libreto, que ele mesmo escreveu. O processo de composição musical propriamente dito começa em 1856 e só é terminado quinze anos depois. Depreende-se disso que ambas as obras tiveram um momento comum de trabalho do compositor: O idílio de Siegfried foi composto enquanto Wagner ainda trabalhava na ópera. Mas não se pode afirmar que um seja a base para o outro, ou vice-versa. O que se vê, no entanto, é que a música do Idílio é evocada em trechos da ópera. Conclui-se, portanto, que O idílio de Siegfried é uma peça independente e autônoma, que se tornou uma das páginas mais célebres da música orquestral de Wagner.

 

Ele compôs o Idílio como um presente de aniversário para sua segunda esposa, Cosima, que havia dado à luz Siegfried, filho do casal, nascido em 1869. Os Wagner residiam, então, em Tribschen, na Suíça, em uma villa pitoresca às margens do lago de Lucerna. A composição do Idílio, as razões que a motivaram, sua primeira performance, as evocações pictóricas ou sonoras que ele traz, seu título e subtítulo, tudo isso trai uma espécie de confidência e intimidade doméstica que raramente se percebe na obra ou na vida de Wagner. Ele intitulou a obra, antes de sua publicação, apenas “Idílio”, mas acresceu-lhe um rebuscado subtítulo: “Idílio em Tribschen, com o canto de passarinho de Fidi e um nascer do sol alaranjado”. Trata-se quase de uma sinopse, que faz referência à villa dos Wagner, ao filho do casal (cujo apelido familiar era Fidi), ao lago de Lucerna e até ao papel de parede ao lado da porta do quarto de Cosima.

 

Mais íntima ainda foi a primeira execução da peça: na manhã de Natal de 1870, Wagner agremiou um pequeno conjunto da Orquestra do Tonhalle de Zurique e a fez executar nas escadas da villa onde residia o casal. Hans Richter, o próprio regente da Orquestra do Tonhalle, tocou a breve parte do trompete que desponta no clímax festivo que ocorre quando já andados três quartos da obra. Ao que parece, Cosima foi despertada naquela manhã pela melodia de abertura. Não é de se estranhar, portanto, o desagrado do casal Wagner ao ter que vender a partitura para a editora Schott em 1878, por causa de um desequilíbrio nas finanças. Saíram ganhando, porém, o público e a posteridade. Desde sua primeira publicação, a obra passou a ser conhecida por O idílio de Siegfried.

 

É raro ouvir um Wagner tão terno, tão intimista e tão pouco afeito a trágicos arroubos melodramáticos como o que se vê no Idílio. Trata-se de uma suave e amorosa contemplação. Em O idílio de Siegfried, Wagner soube registrar em música um desses raros momentos epifânicos da psiquê humana em que realidade e sonho se confundem, os problemas se dissolvem e os desejos brevemente não precisam existir.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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