Concerto para piano nº 1 em Ré bemol maior, op. 10

Sergei PROKOFIEV

(1912)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, cordas.

 

Desde que, em 1855, Wilhelm von Lenz escreveu a biografia de Beethoven, em que –baseando-se no musicólogo François-Joseph Fétis – considerava na obra do compositor três estilos musicais correspondendo a três períodos, tornou-se praxe aplicar essa divisão à obra de outros autores. Ultrapassada, no que se refere a Beethoven, a divisão em três fases se aplica bem ao compositor russo Sergei Prokofiev, que compôs ao todo oito concertos: cinco para piano, sendo o quarto para a mão esquerda; dois para violino e um para violoncelo. Os dois primeiros concertos para piano datam do “período russo”, ou seja, dos anos de Prokofiev como estudante do Conservatório de São Petersburgo nos quais era visto como enfant terrible. No “período ocidental”, entre 1918 e 1935, viveu entre a Europa e os Estados Unidos e compôs todos os outros concertos para piano, assim como seus balés mais famosos. No “período soviético”, após o retorno definitivo à sua pátria, sua música se tornou menos chocante e extravagante até atingir uma “nova simplicidade”, julgada inofensiva pelos censores de Stálin. Esse período é marcado também pela composição de trilhas sonoras para os filmes de Eisenstein e a música para a história de Pedro e o lobo.

 

O Concerto para piano nº 1 foi escrito em 1911 e estreou no ano seguinte na cidade de Moscou. Em 1914, Prokofiev ganhou o Prêmio Rubinstein executando novamente este concerto. Embora alguns juízes desaprovassem a música, eles ficaram extasiados com a técnica do jovem pianista. A revista Muzyka Miaskovsky defendeu o compositor, enquanto A Voz de Moscou publicou que era inadmissível definir como música uma partitura tão dura, enérgica, rítmica e grosseira. Para confundir ainda mais os pobres ouvidos conservadores, Prokofiev inventivamente embaralhou os componentes da estrutura formal do concerto e fez com que a obra parecesse ter sido concebida de trás para frente. Ela começa com o tutti orquestral dobrado pelo piano num hino grandiloquente típico dos finais arrebatadores dos famosos concertos de Grieg, Rachmaninov e Tchaikovsky. Poulenc, amigo do compositor, definiu a vigorosa introdução como “uma espécie de canto jubiloso atlético” que, aliás, reaparece para encerrar o movimento e, oportunamente, também o concerto. Em seguida, vislumbramos a figura do enfant terrible num solo virtuosístico semelhante a uma cadenza finale que irrompe com a linha melódica inicial, mas que servirá de material temático para o último movimento. Só então surge o tema de notas repetidas, martelado e galopante, apresentado também em solo de piano. O tema das notas repetidas participa do desfile de ideias musicais que irão estruturar o primeiro movimento, reaparecendo no último e contribuindo para dar ao concerto a característica de obra cíclica, interligada e sem interrupções. Segundo Prokofiev, este concerto é a sua “primeira obra mais ou menos madura pelo fato de se tratar de uma nova ideia de som e de uma modificação da forma”. A forma foi vagamente definida por ele como um resultado abstrato, uma “consequência de episódios isolados com estreita relação entre si”. Paradoxos à parte, sendo novidade ou não, a obra é fruto tanto do seu horror à imitação quanto da herança deixada por compositores como Liszt e Mussorgsky.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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