Abertura para o Fausto Crioulo, op. 9

Alberto GINASTERA

(1943/1944)

Instrumentação: piccolo, flauta, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, piano, cordas.

 

Ginastera já gozava de certo reconhecimento como compositor quando da composição de seu poema sinfônico Abertura para o Fausto Crioulo. Devido ao sucesso do balé Panambí, op. 1, e da suíte Estancia, op. 8a, e à positiva recepção de sua obra pianística e camerística, principalmente Malambo e Cinco Canciones Populares Argentinas, Ginastera despontava como um dos mais criativos, tecnicamente competentes e ousados compositores nacionalistas argentinos. Paralelamente, destacava-se como professor de música do Conservatório Nacional e da Academia Militar Nacional San Martín.

 

Sua produção musical compreendida entre os anos de 1930 e o final dos anos de 1960 foi classificada pelo próprio compositor em três fases. Seu “nacionalismo objetivo” (1934-1947) faz referências diretas ao folclore argentino, dentro de um contexto harmônico e formal tradicional. Seu “nacionalismo subjetivo” (1947-1957) reelabora e sintetiza elementos folclóricos num estilo ainda argentino, porém original e inovador. Seu “neo-expressionismo” (a partir de 1958) combina procedimentos experimentais de vanguarda e inspirações surrealistas para, finalmente, dar forma a uma linguagem totalmente autônoma e pessoal. Estudiosos de sua obra identificam ainda um quarto período, o das “sínteses finais” (1976-1983), no qual inovações radicais são articuladas com processos e temáticas tradicionais.

 

Exemplo de sua primeira fase, o Fausto Crioulo é livremente inspirado no poema Fausto: Impresiones del gaucho Anastasio el Pollo en la representación de la Ópera, de Estanislao del Campo. De acordo com Borges e Bioy Casares, em Poesía gauchesca, del Campo teria assistido a uma apresentação da ópera Fausto de Charles Gounod no Teatro Colón de Buenos Aires e teria passado toda a récita a comentar irônica e bem-humoradamente com sua mulher a respeito das possíveis estranhas reações que uma obra do gênero provocaria num camponês ingênuo. Naquela mesma noite de agosto de 1866, del Campo escreveria o poema que o consagraria, no qual o gaúcho Anastasio “el Pollo”, ao ir à ópera e não sabendo tratar-se de uma representação, relata ao amigo Laguna como verídica a história de um tal doutor que vende a alma ao diabo.

 

Estreada em 12 de maio de 1944 pela Orquestra Sinfónica de Chile regida por Juan José Castro, a Abertura para o Fausto Crioulo combina engenhosamente elementos folclóricos estilizados com alguns dos motivos musicais da ópera Fausto de Gounod. A obra é um exemplo de narrativa em abismo, isto é, o Fausto de Ginastera é uma alusão ao Fausto de Anastasio “el Pollo” que, por sua vez, refere-se ao Fausto de Gounod inspirado no Fausto de Goethe a que del Campo assiste. Vibrante e envolvente, a Abertura para o Fausto Crioulo arrebatou o público da época e inscreveu definitivamente o nome do então jovem compositor Alberto Ginastera na história da música argentina. Mas, mais que isso, ao dar tonalidades crioulas e campesinas à famosa história de Fausto, Ginastera redime através da música o homem que vendera a alma ao diabo.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.

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