Concerto para piano nº 5 em Mi bemol maior, op. 73, “Imperador”

Ludwig van BEETHOVEN

O Concerto para piano nº 5 em Mi bemol maior é o último concerto para piano e orquestra escrito por Beethoven. Foi composto nos anos 1808/1811, ou seja, entre a sexta (1805/1808) e a sétima (1811) sinfonias; na mesma época da Fantasia Coral (1808), da Sonata para piano Les adieux (1809) e da Abertura Egmont (1810). Dedicado ao seu patrono e aluno, o Arquiduque Rodolfo da Áustria, teve sua estreia no dia 28 de novembro de 1811 pela orquestra da Gewandhaus de Leipzig, sob a regência de Johann Ph.Chr.Schulz. O solista não foi Beethoven, cuja surdez encontrava-se já bem avançada, mas o compositor e pianista Friedrich Schneider. No dia 11 de fevereiro de 1812, o aluno de Beethoven, Carl Czerny, realizava a primeira execução da obra em Viena.

 

O subtítulo “Imperador”, como hoje conhecemos o Concerto para piano nº 5, não foi dado por Beethoven, mas, provavelmente, por seu editor em Londres, o pianista de origem alemã Johann B. Cramer. Beethoven nunca teve simpatia por imperadores, como atestam dois incidentes bastante conhecidos de sua vida. O primeiro se deu em 1804: sua terceira Sinfonia, hoje conhecida como Eroica, chamava-se, inicialmente, Sinfonia grande, intitolata Bonaparte. Foi composta em homenagem a Napoleão, na época em que ele lutava contra os impérios europeus e incorporava, na visão de Beethoven, os ideais da Revolução Francesa. Mas, quando o General se autoproclamou Imperador dos Franceses, em maio de 1804, o inconformado Beethoven apagou a dedicatória com tanta força que acabou rasgando o papel. Mais tarde, em 1806, quando a sinfonia foi finalmente publicada, Beethoven a renomeou como Sinfonia eroica, composta per festeggiare Il sovvenire d’un grand’uomo, e a dedicou ao seu mecenas, o Príncipe de Lobkowicz. O segundo incidente se deu em 1812, nas ruas de Teplitz: Beethoven acabara de conhecer Goethe, por intermédio de Bettina Brettano. Os dois caminhavam quando viram o Imperador, os duques e toda a corte caminhando na direção oposta. Segundo Bettina, Beethoven disse a Goethe para continuar caminhado, pois os aristocratas deveriam abrir caminho para eles. Goethe, que pensava diferente, deu um passo para o lado e tirou o chapéu para cumprimentar a família real, enquanto Beethoven passava resoluto no meio de toda a corte. Quando Goethe alcançou Beethoven, este lhe disse: “eu esperei por você porque o respeito e respeito seu trabalho, mas você demonstrou um apreço exagerado por estas pessoas”.

 

Com o Concerto para piano nº 5, Beethoven conseguiu aliar grandiosidade, virtuosismo e intimidade em uma única obra. Nele, o piano é elevado ao posto de grande participante da cena, ao invés de ter de se confrontar com a orquestra o tempo todo. No início do primeiro movimento (Allegro), tão logo a orquestra ataca o primeiro acorde, o piano a interrompe para executar uma breve cadência. Deixando claro que seu papel é o de protagonista, esse atrevimento do solista se repete ainda duas vezes quando ele finalmente cede lugar à orquestra, para que ela apresente seus temas. No segundo movimento (Adagio un poco mosso), de um lirismo ímpar, piano e orquestra travam um dos mais belos diálogos da história da música, naquilo que Berlioz dizia ser o maior modelo de integração entre piano e orquestra. Ao final do movimento, os fagotes sustentam um Si natural que, no compasso seguinte, se transforma em Si bemol: é a deixa para o piano ensaiar a entrada do tema do terceiro movimento. E, de fato, sem intervalo, entramos no terceiro movimento (Allegro), um rondó, com caráter ao mesmo tempo incisivo e gracioso, onde a sonoridade do piano oferece algumas antecipações surpreendentes de Chopin. São exuberantes os diálogos entre orquestra e piano nesse concerto. Uma importante dimensão desses diálogos consiste nos contrastes entre a apresentação de temas grandiosos na orquestra e sua reapresentação delicada ao piano. Apesar de toda a grandiosidade do concerto, as passagens do piano são muitas vezes extremamente leves. O contraste entre heroísmo e delicadeza é talvez a chave do encanto desta obra.

 

Guilherme Nascimento
Doutor em Composição, professor de Música da UEMG e da Fundação de Educação Artística, autor do livro Música menor.

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