Concertino para piano e orquestra de câmara

Camargo GUARNIERI

(1961)

Instrumentação: Flauta, oboé, clarinete, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, tímpanos, percussão, harpa, cordas.

 

O compositor paulista Mozart Camargo Guarnieri é reconhecido no cenário musical por seu interesse pelos aspectos nacionalistas na composição. No Brasil, no decorrer da primeira metade do século XX, a produção musical encontrava-se em processo de consolidação, destacando-se a atuação de compositores que enfatizavam, em suas obras, elementos diretamente ligados à cultura brasileira. A aspiração pela afirmação de um nacionalismo musical brasileiro já vinha sendo promovida desde o século XIX por compositores como Brasílio Itiberê da Cunha (1846-1913), Alberto Nepomuceno (1864-1920) e Alexandre Levy (1864-1892), considerados precursores do nacionalismo musical, movimento que se estendeu no decorrer do século XX e conquistou grande visibilidade com a participação de Villa-Lobos (1887-1959) na Semana de Arte Moderna, em 1922.

 

Nos períodos posteriores a essa Semana, protagonizada no campo musical por Villa-Lobos, surgiram outras gerações de músicos que se lançaram no âmbito da composição brasileira e alcançaram repercussão internacional, dentre eles, Camargo Guarnieri. A relação mais direta entre Guarnieri e o ideário do nacionalismo musical começou a ser tecida a partir de suas aulas com seus primeiros professores: Ernani Braga (1888-1948) e Sá Pereira (1888-1966). Ambos tendiam, claramente, a uma produção musical de cunho nacionalista, articulada a pesquisas realizadas sobre o acervo folclórico-cultural do Brasil.

 

Ernani Braga empenhou-se em recolher esse tipo de material para empregá-lo no repertório do canto coral, chegando a organizar concertos orfeônicos com cinco mil participantes. Postura similar foi promovida por Sá Pereira, que também associava o folclore ao canto coral.

 

O pensamento de Guarnieri, no decorrer de toda a sua trajetória, realça o comprometimento com o ideário nacional, aliando o nacionalismo estético, por integração dos elementos culturais, à adoção de inovações aduzidas da estética musical contemporânea. Guarnieri destacava, ainda, que o folclore brasileiro é um dos mais ricos do mundo, embora ele mesmo pouco tivesse adotado, diretamente, em sua obra, temas folclóricos brasileiros. Não deixava de incluir, porém, elementos marcantes do populário nacional, em que a referência aos elementos folclóricos não se efetiva de maneira explícita. Tais elementos são reelaborados e se tornam recriações do compositor, resultando em composições impregnadas de intenso e peculiar brasileirismo. Nessa conjuntura, as representações musicais tecidas por Guarnieri não se restringem a um perfil identitário nacional de cunho apologético, monolítico ou associado simplesmente a uma autenticidade respaldada pela suposição das origens. Guarnieri traduzia tal imaginário sociocultural na perspectiva de uma erudição e técnica apuradas.

 

O Concertino para piano e orquestra de câmara é considerado a obra mais executada dentre as peças para piano e orquestra de Guarnieri. Essa obra composta em 1961 foi dedicada à sua esposa Vera Sílvia e, no mesmo ano, teve sua estreia mundial nos Estados Unidos com o pianista João Carlos Martins, acompanhado pela Orquestra de St. Louis, sob a regência de Guarnieri. Em 1963, o Concertino recebeu da Associação Paulista de Críticos Teatrais a medalha de prata como melhor obra sinfônica do ano. Guarnieri substitui os termos internacionais para designação de andamentos e de expressões por vocábulos brasileiros equivalentes: Festivo, Tristonho e Alegre. O piano abre o primeiro movimento, denominado Festivo, com um tema que remete à atmosfera da música nordestina e estabelece o caráter alegre e vivo da obra. Em contraste ao primeiro movimento, o segundo, Tristonho, cheio de lirismo e introspecção, apresenta uma delicada linha melódica que faz lembrar as modinhas brasileiras. Em contraste ao segundo movimento, o Alegre, em forma de rondó, ressalta o caráter dançante e vivaz por meio dos temas inspirados em fontes folclóricas, tais como o frevo e a embolada.

 

César Buscacio
Professor da Universidade Federal de Ouro Preto.

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