Concerto para oboé em Ré maior

Richard STRAUSS

O século XIX caracterizou-se por um conflito entre duas posições estético-musicais lideradas pelos compositores Brahms e Wagner. Brahms defendia o ideal clássico da música absoluta, em que cada nota se inseria em uma estrutura que encarnava as intenções expressivas do compositor. Wagner, de modo diferente, buscava relações entre a música e as outras artes. Pode-se dizer que, em sua música, a dimensão sonora busca ultrapassar o domínio musical em um derrame expressivo voluptuoso ou dionisíaco. Isso explica porque suas obras mais importantes sejam justamente as óperas.

 

Nesse contexto histórico nasceu Richard Strauss, que iniciou sua formação musical ainda na infância, através do pai, um músico da Orquestra de Munique. Embora suas primeiras obras apresentassem um estilo conservador, posteriormente foi influenciado pela música de Wagner e se dedicou à composição de poemas sinfônicos, gênero em que a forma musical é guiada por um texto literário. Seu casamento com a soprano Pauline de Ahna em 1894 contribuiu decisivamente para seu interesse na composição de óperas. Suas óperas Salomé e Elektra tiveram grande repercussão na estreia e apresentaram inovações harmônicas que contribuíram para a renovação da linguagem musical no século XX.

 

O Concerto para oboé foi composto em 1945 e deve ser considerado com uma peça de música absoluta, ou seja, sem um programa literário subjacente. Apresenta três movimentos: Allegro Moderato, Andante e Vivace.

 

No primeiro movimento, a melodia fluente do oboé se desenvolve pela repetição de figuras sutilmente variadas. A cada nova seção, observa-se um deslocamento para uma região harmônica diferente e, eventualmente, o surgimento de novas figuras derivadas das anteriores, mas com um perfil expressivo distinto. Na maior parte do tempo, a orquestra acompanha o oboé com texturas transparentes. Em alguns tutti podemos ouvir referências estilísticas à música clássica, como, por exemplo, nos tremolos de cordas graves acompanhando melodias movidas e brilhantes nos violinos.

 

O segundo movimento se inicia com um tema que evoca Beethoven. O solista é, inicialmente, acompanhado por cordas e, a seguir, por um coral de sopros. Após um crescendo orquestral, surge uma nova ideia. É aqui que as referências a Beethoven desaparecem para surgir um espaço novo, mais denso e movido. A textura contrapontística faz dialogar variações de figuras que apareceram no primeiro movimento da peça. Após esta seção, o tema inicial é retomado com variações. Os momentos de tutti são alcançados por aumento progressivo da sonoridade, fazendo com que a música amplie seu espaço expressivo até um clímax, para depois reduzir suavemente, como uma ondulação. O segundo movimento se interliga ao terceiro por uma cadência do oboé.

 

O Vivace é um rondó que explora o contraste entre diferentes tipos de movimento, ora mais marcado, ora mais fluido, ora mais agitado, ora mais calmo. O tema inicial expõe dois motivos contrastantes, um legato e outro staccato. O solista é acompanhado ou dialoga com a orquestra de diferentes maneiras. Após um tutti brilhante surge um segundo tema, mais fluente. A presença de pedais harmônicos sugere um estilo campestre, como uma gaita de foles. O tema inicial retorna vigoroso, com imitações entre as partes graves e agudas da orquestra. A seguir, surge novo tema homofônico, bem mais calmo. Ele já havia aparecido com variações nos movimentos anteriores. Após um retorno resumido dos dois temas iniciais, ouve-se uma breve cadência do oboé e a peça entra na seção conclusiva.

 

No Concerto para oboé podem ser observadas diversas referências cruzadas entre os movimentos, através do retorno de elementos temáticos. Isso demonstra a preocupação do compositor com a consistência formal. É uma estratégia para conectar a multiplicidade de ideias musicais a alguns elementos recorrentes que adquirem uma função pivô.

 

Rogério Vasconcelos
Compositor e professor da Escola de Música da UFMG.

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