Concerto para orquestra de cordas e percussão

Camargo GUARNIERI

(1972)

Instrumentação: percussão, cordas.

 

Os pais de Camargo Guarnieri batizaram os filhos com nomes de compositores célebres: o mais velho, Rossini, o outro, Mozart. O pai, imigrante italiano, era flautista e a mãe, paulista, tocava piano. O nome do filho mais novo, além de prenunciar sua precoce aptidão musical, iluminou-o com extraordinária naturalidade para manipular os elementos sonoros e torná-los obras artísticas. “Música é emoção”, dizia Camargo Guarnieri. Os pais sequer imaginariam que o pequeno Mozart paulista viria a se tornar um dos compositores brasileiros mais importantes depois de Villa-Lobos e que registraria seu sobrenome na história de nossa música.

 

Guarnieri cunhou seu brasileirismo musical não somente sobre o folclore e o nacionalismo, mas sobre sofisticada construção. O subúrbio paulista, os caipiras e os sertanejos, a música africana e indígena, o sotaque do nordeste estão claramente representados em texturas contrapontísticas e ritmos precisos. Mário de Andrade, grande incentivador de Camargo Guarnieri, encontrou no músico um fiel seguidor e um artista completo. Ambos se preocuparam em trazer signos da cultura brasileira para a música sem que esta perdesse seus conceitos intrínsecos como arte.

 

Nos movimentos de suas músicas, Guarnieri quebra a formalidade dos termos italianos ou alemães, comuns às obras eruditas, e os substitui por expressões em português e bem brasileiras. Assim o allegro se torna gingando, movido, esperto, enquanto o adagio se transforma em tristonho, dengoso ou até mesmo molengamente. No Concerto para orquestra de cordas e percussão, os usuais movimentos rápido-lento-rápido são nomeados vigoroso-saudoso-jocoso. Composto em 1972 por encomenda da Orquestra Armorial de Câmara de Pernambuco, o Concerto apresenta, nos movimentos rápidos, um sotaque confessadamente nordestino, revelado por meio de escalas modais, melodias típicas do repente e da embolada e ritmos de dança. No terceiro movimento está presente o ritmo do coco – dança de roda coreografada, proveniente do canto dos tiradores de coco do litoral de Pernambuco. Ao final desse movimento, os três percussionistas realizam uma livre improvisação seguida de pequena cadenza do spalla. O movimento central é um coral elegíaco e revela a tristeza de Guarnieri pela morte de sua mãe, a quem era muito ligado. Segundo Caldeira Filho, o movimento “possui tal profundidade de significação e tal força de lirismo que causa a ilusão de estarmos ouvindo a palavra da saudade e seu universo de conotações emotivas”.

 

Camargo Guarnieri escreveu duas obras para orquestra de cordas: a Toada à moda paulista e o Concerto para orquestra de cordas e percussão. Este último relembra um dos primeiros sucessos do compositor, Flor de Tremembé, para quinze instrumentos solistas e percussão. O Concerto para cordas e percussão não é uma obra concertante stricto sensu, pois não possui partes solistas delineadas. Assemelha-se ao Concerto para orquestra de Béla Bartók, que justificara o nome “concerto” pelo tratamento solístico e virtuosístico dispensado a cada naipe de instrumentos. O Concerto para orquestra de cordas e percussão foi estreado em 1976 pela Orquestra Sinfônica da USP, tendo à frente o seu primeiro e mais importante maestro: Camargo Guarnieri.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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