Der Freischütz: Abertura

Carl Maria von Weber

Carl Maria von Weber nasceu no dia 18 de novembro de 1786, em Eutin, Alemanha, filho de um aristocrata empobrecido, violinista que se tornou diretor de uma companhia teatral itinerante. Assim, desde cedo envolvido em turnês, Weber adquiriu conhecimentos cênicos preciosos – em suas óperas, valorizou a cenografia e serviu-se dos recitativos com admirável senso teatral. Em passagem por Salzburg, encontrou seu principal professor, Michael Haydn (irmão do célebre Josef Haydn), que, percebendo o inusitado talento do menino, dispôs-se a lhe dar aulas gratuitas. Aos treze anos, Weber já se apresentava como pianista e, além de vários lieder e peças para seu instrumento, escreveu uma ópera, A Força do Amor e do Vinho. No ano seguinte, 1800, estreou A Jovem da Floresta, bem recebida em Praga, Viena e São Petersburgo.

 

Espírito científico, curioso, o jovem músico interessou-se também por pintura, literatura e, sobretudo, pela litografia, julgando ter descoberto novas técnicas de reprodução. Antecedendo Wagner, Weber concebeu a música dramática sob a perspectiva romântica da fusão harmoniosa entre as artes.

 

Antes do casamento, aos trinta anos, com a cantora Caroline Brandt, Weber levou vida agitada de pianista itinerante, ocupando ainda o cargo de Chefe de Orquestra em Breslau, Karlsruhe, Stuttgard e Praga. Fixando-se, então, como Diretor da Ópera de Dresden, idealizou o teatro lírico genuinamente alemão, opondo-se ao massacrante predomínio italiano. Estudou o folclore de sua terra, suas lendas e mitos; escolheu enredos que falavam diretamente aos anseios do povo e criou melodias inesquecíveis que se tornavam facilmente populares.

 

Em Der Freischütz (1821), seu maior sucesso, Weber retratou a Natureza, revelando os mistérios de uma Floresta fantástica, sombria, impregnada dos temores supersticiosos da mitologia germânica. Fiel à tradição vienense de Haydn e Mozart, Weber foi um romântico que encontrou no classicismo a melhor forma para se expressar. Com uma orquestra pouco maior que a de Mozart e sempre mantendo um admirável equilíbrio sonoro, o compositor criou efeitos fascinantes, cujo grande poder sugestivo leva o ouvinte ao mundo encantado de suas estórias.

 

Interessado na pesquisa de timbres, Weber compôs obras concertantes para variados instrumentos. Duas sinfonias, duas missas, cantatas religiosas ou profanas, numerosas canções, música de câmara e uma grande produção pianística comprovam a riqueza e variedade de sua inspiração.

 

Aos quarenta anos, com a saúde comprometida pela tuberculose, preocupado em assegurar o futuro da mulher e dos dois filhos, Weber aceitou compor uma nova ópera (Oberon) para o Covent Garden de Londres. Contrariando recomendações médicas, partiu para a Inglaterra onde, ciente do pouco tempo que lhe restava, dedicou-se inteiramente à composição. Terminou a Abertura de sua última obra-prima três dias antes da estreia, que ele próprio regeu com enorme sucesso, a 12 de abril de 1826, dois meses antes de falecer.

 

Dezoito anos após a morte de Weber, em 1844, seus restos mortais foram transladados, com grandes honras, de Londres para Dresden, na Alemanha. Especialmente para a ocasião, Richard Wagner compôs uma música fúnebre e saudou o autor de Der Freischütz como o verdadeiro criador da ópera romântica alemã.

 

Para a criação de Der Freischütz – o Franco-atirador, ou o Atirador de elite – Weber usou um libreto do poeta Friedrich Kind, inteiramente inspirado em lendas populares. A ação se passa na Alemanha, logo após a Guerra dos Trinta Anos. A estória de amor do caçador Max por Ágata (filha do chefe Cuno) envolve uma competição de tiro entre os guardas florestais, balas de prata, encantamentos, o caçador-fantasma Samiel (o diabo da mitologia germânica) e pactos tramados na assustadora Caverna dos Lobos.

 

Na Abertura, o compositor usa melodias inteiras da própria ópera, tecendo-as como movimento sinfônico de grande unidade. A curta introdução traz o motivo das trompas, instrumento de destaque na ópera, com papel comparável ao dos instrumentos encantados da Flauta Mágica, de Mozart. Seu delicado soar evoca a vida dos caçadores na Floresta que, de fato, impõe-se como principal personagem, onipresente em toda a ópera. Após esse chamado inicial, a peça constrói-se inteiramente com material que o ouvinte reconhecerá no decorrer do drama:

 

– a música que acompanha Max ao sentir a passagem assustadora de Samiel (trêmulo nas cordas, clarinetes em registro grave e tímpanos);

 

– os sombrios compassos da ária de desespero do herói (clarinetes e fagotes);

 

– o tema da apavorante Garganta dos Lobos em fortíssimo;

 

– finalmente, após um claro acorde maior, a explosão de alegria de Ágata, ao ver a aproximação do amado e a vitória do Amor sobre os poderes do Mal.

 

Com esse desenvolvimento repleto de sugestões musicais evocativas do enredo dramático, a Abertura soa como um verdadeiro poema sinfônico, antecipando as obras programáticas de Berlioz e Liszt.

 

Der Freischütz estreou com enorme sucesso em Berlim, no dia 18 de junho de 1821.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor de Música da UEMG, autor do livro Músico, doce músico.

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