Timbres, Espaço, Movimento

Henri DUTILLEUX

Incentivado pelo avô materno, organista e professor de música, Dutilleux, aos dezessete anos, ingressou no Conservatório de Paris, onde obteve os primeiros prêmios de Harmonia, Contraponto e Fuga. Estudioso da obra de Roussel, Webern, Bartók e Stravinsky, como compositor cultivou grande liberdade criativa, evitando ligar-se a uma corrente estética determinada. Em 1945, foi nomeado diretor responsável pelas Ilustrações Musicais da Radiodiffusion Française, cargo que ocupou até 1963 e que lhe permitiu um convívio enriquecedor com diversas tendências artísticas. Dutilleux lecionou Composição na École Normale de Musique (1961) a convite de Alfred Cortot e, entre 1970 e 1984, no Conservatório de Paris. Em 2005, aos 89 anos, tornou-se o terceiro compositor francês (depois de Olivier Messiaen e Pierre Boulez) a receber o cobiçado prêmio Ernst von Siemens, pelo conjunto de sua obra.

 

Não especialmente vultosa, mas constante e de qualidade excepcional, a produção de Dutilleux suscitou recepção calorosa, tanto da crítica mais tradicionalista como das vanguardas, impondo-se entre as principais da música contemporânea. Sua música concilia duas principais tendências – de um lado, a liberdade de expressão, a grande curiosidade pelo inusitado e a primazia da emoção; de outro, a disposição ao “formalismo”, entendido como a preocupação de inserir o pensamento musical em uma estrutura bem definida, ainda que repudiando qualquer organização pré-fabricada. No plano técnico, o compositor ressalta, segundo suas próprias palavras, “a necessidade absoluta da escolha e da economia dos meios, sempre visando o que se pode chamar a Alegria do Som”.

 

Timbres, espace, mouvement ou La Nuit Étoillée (dedicada à memória de Charles Münch, um dos grandes divulgadores da obra de Dutilleux) foi encomendada por Mstislav Rostropovitch, que a estreou em 7 de novembro de 1978, como regente da National Symphony Orchestra de Washington. O subtítulo “A Noite Estrelada” refere-se ao famoso quadro homônimo de van Gogh – uma paisagem agitada por um torvelinho cósmico –, cuja contemplação serviu de fonte poética à partitura. Avesso a qualquer vestígio de “mensagem” ou “programa” musicais, o compositor não tentou absolutamente reproduzir sonoramente o quadro, “apenas reviver e prolongar suas ressonâncias oníricas”. Dutilleux submeteu-se ao fascínio dessa pintura visionária da Natureza, evocando-o pela formulação de uma matéria sonora inusitada, de efeito quase imaterial. O Timbre ressalta pela oposição entre os registros extremos da orquestra, dividida em dois grupos instrumentais – uma seção grave das cordas (utilizando unicamente os violoncelos e os contrabaixos) contrasta com um conjunto brilhante das madeiras, metais e percussão. A luminosidade resplandecente dos sopros se espelha nas cordas soturnas, e os jogos sonoros resultantes da singular orquestração unificam as duas partes desse díptico sinfônico, compondo uma trama musical ao mesmo tempo estática e fluida. Estática é, por exemplo, na primeira peça, a noção de Espaço infinito, inalterável (demarcado visualmente pela disposição dos violoncelos, em semicírculo ao redor do maestro). E fluido apresenta-se, sobretudo, o Movimento que domina a parte final da obra, lembrando o pontilhismo amarelo das estrelas de van Gogh.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Professor na Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais

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