Fidelio, op. 72c: Abertura

Ludwig van BEETHOVEN

(1814)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 2 trombones, tímpanos, cordas.

 

Beethoven compôs apenas uma ópera: Fidelio. Trata-se, na verdade, de um singspiel, um subgênero da ópera, originário dos países de língua alemã. A diferença entre o singspiel e o que genericamente se convencionou chamar de ópera está no fato de que, grosso modo, a ópera alterna momentos de canto (reflexão psicológica) com recitativo (ação dramática), enquanto o singspiel alterna momentos de canto com o diálogo falado. O singspiel é um ancestral direto da opereta do século XIX e dos modernos musicais da Broadway. O rapto do serralho e A flauta mágica, de Mozart, assim como O franco-atirador, de Carl Maria von Weber, são alguns exemplos de singspiel.

 

Para o seu Fidelio, Beethoven gerou três versões diferentes e compôs quatro aberturas independentes. Em Viena, no início de 1804, ele começou a compor a primeira versão da ópera, sobre a peça Léonore ou l’amour conjugal, do escritor francês Jean-Nicolas Bouilly, com tradução para o alemão de Joseph Sonnleithner. A história conta o drama de Florestan, injustamente encarcerado na prisão de Sevilha por seu adversário político, Pizarro. A esposa de Florestan, Eleonora, decide salvá-lo. Para tal ela se disfarça de homem, adota o nome Fidelio e convence Rocco, o carcereiro, a empregá-la na prisão, para poder, em segredo, socorrer o marido.

 

Concluída em setembro de 1805, a primeira versão da ópera Leonora/Fidelio, com a abertura hoje conhecida como Leonora nº 2, foi estreada em novembro no Theater an der Wien. A obra teve fria recepção e, após três récitas, foi retirada de cartaz. Em dezembro do mesmo ano Beethoven aceitou, com relutância, a ideia de revisar a ópera. O libretista Stephan von Breuning encurtou a ação de três para dois atos e Beethoven compôs uma nova abertura, hoje conhecida como Leonora nº 3. A estreia se deu em março de 1806 e teve recepção um pouco melhor. Mas, infelizmente, seria apresentada apenas mais uma vez, em razão de um desentendimento de Beethoven com o diretor do teatro. No ano seguinte ele comporia, ainda, uma terceira abertura, hoje conhecida como Leonora nº 1, para uma apresentação em Praga que acabou por não acontecer.

 

A ópera parecia fadada ao esquecimento. No entanto, em 1814, o diretor do Theater am Kärntnertor procurou o compositor para uma nova apresentação da ópera. Beethoven relutou, mas acabou aceitando, com a condição de poder retrabalhar a obra. Contratou um novo libretista, Georg Friedrich Treitschke, com a missão de dar mais agilidade à trama, e compôs uma nova abertura. A estreia se deu no dia 23 de maio do mesmo ano, sem a nova abertura, ainda não finalizada. Em 26 de maio aconteceu então a apresentação da ópera com a nova abertura, hoje conhecida como Fidelio. Os esforços valeram a pena. A nova versão foi um sucesso e a ópera, reapresentada inúmeras vezes.

 

Ao contrário das três aberturas Leonora, a abertura Fidelio não apresenta explicitamente o conteúdo musical da ópera. Apenas alude a alguns trechos. É a mais coesa, festiva e brilhante das quatro, e a mais curta. Trata-se da abertura perfeita para introduzir a ópera, pois, ao invés de tirar a surpresa da trama, prepara o que está por vir. Como as outras três, ganhou as salas de concerto e é hoje, dentre elas, a mais conhecida.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

anterior próximo