Gonzaga ou A Revolução

Cláudio de Freitas

Foi em 1867 que Castro Alves encenou pela primeira vez o drama Gonzaga ou A Revolução de Minas, em que propagandeia seus ideais patrióticos e abolicionistas e faz transparecer seu amor por Eugênia Câmara, atriz portuguesa para quem escreveu o texto, sonhando vê-la despontar nos palcos brasileiros. A ela foi reservado o papel de Maria Dorotéia de Seixas Brandão, amante do poeta Tomás Antônio Gonzaga, centro do triângulo amoroso que se completa com o então Governador de Minas Gerais, o VI Visconde de Barbacena.

 

Depois de mais de um século, recrio o texto do poeta. Desta vez, porém, na forma de um poema sinfônico para grande orquestra, estreado nesta noite pela Orquestra Filarmônica de Minas Gerais sob regência do maestro Fabio Mechetti. As mesmas aflições que, segundo o próprio escritor, atormentavam ou deliciavam sua existência ―liberdade, escravidão, traição, paixões― são aqui retratadas pela imaginação musical. A composição atribui a elas determinadas linhas melódicas, instrumentos solistas e estruturas rítmicas, reproduz a turbação sociopolítica da época, que antecede a abolição da escravatura, e revive os afãs libertários da Inconfidência Mineira.

 

O cenário sugerido pelo poeta para cada ato é também descrito na partitura. No primeiro, por exemplo, os sons de um bosque brasileiro são representados pela idiofonia dos instrumentos de percussão e pela flauta e requinta, “os passarinhos de Deus”, que se opõem ao “canto do chicote do feitor”, musicalmente produzido pelo girar de um conduíte plástico. A planície que se perde (as notas da harpa sendo abafadas com a mão) num horizonte de montanhas (os glissandi trilados dos violinos) e os grandes maciços de árvores (o verticalismo da escrita nos metais) finalizam o quadro que culmina no ritmo fremente dos atabaques e do xequerê sobre a melodia heroica e visionária das madeiras e cordas.

 

Segue-se, então, a figuração musical das personagens do drama: o dueto de amor de Maria e Gonzaga, cantado pela flauta em sol e pelo oboe d´amore, interrompido pelas presenças áridas do Governador e de Joaquim Silvério dos Reis, o traidor, respectivamente o trombone baixo e o trombonito. O liberto Luís e sua filha Carlota, ainda cativa, são delineados pelo clarone e pelo flautim. O ato chega a seu desfecho após um fulgente, mas gradual, crescendo e accelerando orquestral que anuncia o martírio dos conjurados, mas que, também, fulgura o ideal de glória e libertação, que vem com a morte.

 

Respeitando a tradição dos poemas sinfônicos de Liszt e Strauss, assim como Ave Libertas de Leopoldo Miguez e Werther de Alexandre Levy, transcrevo com fidelidade o enredo do drama, como é observado, por instância, na cena da prisão dos inconfidentes e na procissão que acompanha “o tombar das cabeças revolucionárias nos braços do povo”. A agonia de Gonzaga, encarcerado, antes de seu desterro, é refletida no canto triste do corne-inglês, enquanto escreve uma Lira para Marília de Dirceu ―uma cadência de flauta.

 

Cláudio de Freitas
Compositor e fagotista

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