O Escravo: Come serenamente

Antônio Carlos Gomes

(1889)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, harpa, cordas.

 

Carlos Gomes é o mais conhecido músico do Romantismo brasileiro – um romantismo que elegeu a ópera como centro de atenção e objetivo principal de muitos compositores. Em 1857, Dom Pedro II fundou, no Rio de Janeiro, a Academia Imperial de Música e Ópera Nacional, instituição onde Carlos Gomes deu seus primeiros passos no melodrama. Aos 25 anos, compôs sua primeira ópera, A noite do castelo. Pouco depois, o triunfo de Joana de Flandres lhe garantia o aperfeiçoamento na Itália, com uma bolsa do governo. Suas óperas seguintes confirmaram o acerto do apoio dado ao músico por Dom Pedro II.

 

Filho do maestro da banda de Campinas, o jovem compositor viria a ser o primeiro artista brasileiro a adquirir fama internacional. Vivendo um momento decisivo da história do Brasil, entre o Império e a República, Carlos Gomes contemplou o indianismo romântico (Il Guarany), o abolicionismo (Lo Schiavo) e tornou-se ídolo popular, orgulho da nação.

 

Em 1880, durante uma triunfal turnê brasileira, Carlos Gomes entrou em contato com os ideais antiescravagistas, aceitando com entusiasmo o papel de Maestro de Abolição. Suas apresentações tornaram-se frequentemente pretexto de manifestações abolicionistas, incluindo a entrega de cartas de alforria sob os aplausos do público. Nesse contexto, o esboço inicial de Lo Schiavo, concebido pelo Visconde de Taunay, focalizava a revolta de escravos negros num engenho do início do século XIX. O libreto italiano final, de Rodolfo Paravicini, transformou os escravos em índios brasileiros e transportou a ação para o sec. XVI. Apesar dessas incongruências, a ópera significou para o compositor um esforço de superação técnica no tratamento vocal e na orquestração, principalmente nos bem-sucedidos dois últimos atos.

 

A brilhante carreira de Carlos Gomes foi também um roteiro de dúvidas e angústias. Frequentemente, enfrentou problemas com libretistas e editores; pagou caro pela má escolha dos temas de suas óperas e pelos desacertos na vida pessoal, sofrimentos agravados por um temperamento arrebatado e super emotivo. O compositor só voltou definitivamente ao Brasil em 1896, quando foi convidado a dirigir o Conservatório do Pará, em plena riqueza da borracha. Foi recebido como um ídolo, mas já estava doente e morreu cinco meses após sua chegada, aos sessenta anos.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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