Oberon: Abertura

Carl Maria von Weber

Em 1844, dezoito anos após a morte de Weber, seus restos mortais foram transladados, com grandes honras, de Londres para Dresden, na Alemanha. Especialmente para a ocasião, Richard Wagner compôs uma música fúnebre e saudou o autor de Oberon como o verdadeiro criador da ópera romântica alemã. De fato, Weber inovou (sem esquecer os antecedentes mozartianos) ao utilizar elementos populares germânicos no âmbito da música operística. Como diretor da Ópera de Dresden, idealizou o teatro lírico genuinamente alemão, opondo-se ao massacrante predomínio italiano. Estudou o folclore de sua terra, suas lendas e mitos; escolheu enredos que falavam diretamente aos anseios do povo e criou melodias inesquecíveis que se tornavam facilmente populares. Retratou a Natureza, revelando os mistérios de uma Floresta fantástica, sombria, impregnada dos temores supersticiosos da mitologia germânica. Vários aspectos do Romantismo dominam sua obra ousada e inovadora que se manteve, entretanto, fiel à tradição vienense de Haydn e Mozart. Weber foi um romântico que encontrou no classicismo a melhor forma para se expressar. Com uma orquestra pouco maior que a de Mozart e sempre mantendo um admirável equilíbrio sonoro, o compositor criou efeitos fascinantes, de grande poder sugestivo, conduzindo o ouvinte ao mundo fantástico de suas estórias.

Interessado na pesquisa de timbres, Weber compôs obras concertantes para variados instrumentos: flauta, fagote, trompete, trompa, viola, violoncelo, harpa, violão e, especialmente, para clarinete, devido à sua amizade com o clarinetista Baermann. Duas sinfonias, duas missas, cantatas religiosas ou profanas, numerosas canções, música de câmara e uma grande produção pianística comprovam a riqueza e variedade de sua inspiração.

 

Filho de um aristocrata empobrecido que se tornou diretor de teatro itinerante, Weber adquiriu conhecimentos cênicos preciosos – em suas óperas, valorizou a cenografia e serviu-se dos recitativos com admirável senso teatral. Antecedendo Wagner, concebeu a música dramática sob a perspectiva romântica de fusão harmoniosa entre as artes. Neste sentido, Oberon (1826) representa o último esforço de Weber, após o enorme sucesso popular de Der Freischütz (1821) e os experimentos orquestrais de Euryanthe (1823). Aos quarenta anos, com a saúde comprometida pela tuberculose, Weber, preocupado em assegurar o futuro da mulher e dos dois filhos, aceitou compor nova ópera para o Covent Garden de Londres. Contrariando recomendações médicas, partiu para a Inglaterra, onde, ciente do pouco tempo que lhe restava, dedicou-se inteiramente à composição. Terminou a Abertura de sua última obra-prima três dias antes da estreia, que ele próprio regeu, com enorme sucesso, a 12 de abril de 1826, dois meses antes de falecer.

 

Oberon ou o juramento do rei dos elfos une a Idade Média cavaleiresca, o exotismo do Oriente e os personagens shakespearianos de Sonho de uma noite de verão. A ação acontece entre a França, a Arábia e o Mundo das Fadas: Oberon, rei dos elfos, briga com sua esposa Titânia, rainha das fadas. Para ser perdoado ele deve encontrar um casal de namorados cujos sentimentos suplantem todos os obstáculos à sua paixão, demonstrando, assim, a força invencível do amor. Oberon escolhe o cruzado Huon de Bordeaux, apaixonado pela princesa muçulmana Reiza e, para ajudá-lo a enfrentar os mais terríveis perigos, entrega-lhe uma trompa e uma taça mágicas. Com essas armas, o cruzado vence os desafios e casa-se com a filha do chefe muçulmano, enquanto o rei dos elfos reconcilia-se com a rainha das fadas.

 

A Abertura inicia-se com o delicado soar da trompa, instrumento de destaque na ópera, com papel comparável ao dos instrumentos encantados da Flauta Mágica, de Mozart. Após esse chamado inicial, a peça constrói-se inteiramente com material que o ouvinte reconhecerá no decorrer da ópera: o Tema das Fadas; a Marcha da corte de Carlos Magno; a Melodia de Huon, apresentada pelo clarinete e retomada pelas cordas; a Ária de Reiza; o Coro dos espíritos das águas e o Tema de Puck. Com esse desenvolvimento repleto de sugestões musicais, a Abertura soa como um verdadeiro poema sinfônico e tornou-se uma peça muito popular. A recapitulação do tema de Reiza, apresentado de maneira triunfante, conduz a uma conclusão cheia de vivacidade.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Doutor em Letras, professor de Música da UEMG, autor do livro Músico, doce músico

anterior próximo