Orfeu – Balé em três cenas

Igor STRAVINSKY

(1947)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, 2 trombones, tímpanos, harpa, cordas.

 

Grosso modo, divide-se a obra de Stravinsky em três grandes períodos. O primeiro, a fase russa, vai de 1907 até 1919. São dessa era as suas obras mais significativas e mais determinantes para as gerações que o seguiriam. Curiosamente, a maior parte delas foi composta para balé: O Pássaro de Fogo (1910), Petrushka (1911) e A Sagração da Primavera (1913). A segunda fase, neoclássica, que vai de 1920 a 1954, também gerou obras importantes, como a Sinfonia dos Salmos (1930) e a ópera The Rake’s Progress (1951), ainda fundamentais para a formação de uma nova consciência na mentalidade musical contemporânea. No terceiro período, a fase serial, que vai de 1954 a 1968, ele revisita e discute o serialismo proposto por Schoenberg, abrindo-lhe alternativas e ampliando-lhe as perspectivas. Nascem, dessa fase, obras de um expressionismo tardio, mas ainda assim impressionante, como Agon (1957).

 

O fato é que, se as suas obras da primeira fase ajudaram a espanar de vez o pó de um sistema musical já caduco, escancarando as portas da modernidade, a sua música dedicada ao balé percorre as três fases e, portanto, forma parte importante de seu processo criativo, durante toda a vida. Essa tendência interdisciplinar, tão moderna, deveria, por certo, ser mais bem investigada na obra de Stravinsky.

 

Orfeu pertence à segunda fase. Em 1939, o compositor havia deixado a França para se estabelecer definitivamente nos Estados Unidos. Pouco tempo depois ele assenta residência em Hollywood e, na cidade de Los Angeles, passa a maior parte do final de sua vida. Em 1945 se naturaliza cidadão estadunidense. Se a guinada neoclássica – e depois serial – de Stravinsky responde a uma demanda do público norte-americano é um fato ainda a se discutir. O fato é que ela começa bem antes de sua mudança para a América. Em Orfeu, porém, composto em 1947, já se encontra um Stravinsky plenamente engajado em tendências estéticas bem diferentes daquelas da Sagração.

 

A música de Orfeu foi encomendada a Stravinsky pelo coreógrafo George Balanchine, para a sua então recém-fundada companhia de dança. O balé foi estreado em Nova York, sob a regência do próprio Stravinsky, em abril de 1948. O espetáculo valeu a Balanchine o convite para se estabelecer em Nova York. Sua companhia de dança se tornaria, então, o New York City Ballet.

 

Engana-se quem espera ouvir de um Stravinsky neoclássico o retorno à sonoridade do passado. As conquistas que ele mesmo alcançou, desde o início, mantêm-se, ainda que atenuadas. O que se vê em Orfeu é um Stravinsky livre para usar tanto da dissonância, agora liberta, como de sonoridades consonantes. A métrica e a orquestração de Orfeu são ele próprio. As alusões ao mito grego, como o uso da harpa, não passam de evocações, ou de uma proposta seriamente interdisciplinar. Stravinsky é um homem do século XX e pertence à modernidade, mesmo quando resolve voltar seus olhos para o passado.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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