Sinfonia nº 6 em Mi bemol maior, op. 111

Sergei PROKOFIEV

(1947)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 3 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, celesta, piano, cordas.

 

Quando Prokofiev, aos treze anos de idade, passou nos exames para estudar no Conservatório de São Petersburgo, já havia composto quatro óperas, uma sinfonia, duas sonatas e várias obras para piano. Embora se tratasse de composições de juventude, é de se admirar o conjunto de obras compostas com tão pouca idade. Aluno de Rimsky-Korsakov, Anatoly Lyadov e Nikolai Tcherepnin, Prokofiev soube construir, ao longo dos anos, uma carreira de sucesso internacional como compositor, pianista e regente.

 

Quando estourou a Revolução de 1917, Prokofiev encontrava-se em turnê pela Europa, Japão e Estados Unidos. Sem planos imediatos de retornar à Rússia ele, primeiramente, resolveu ficar nos Estados Unidos. Mas sua música não era apreciada pelos americanos. Os críticos eram duros com suas obras e seu jeito de tocar piano era considerado extremamente seco. Para piorar, a estreia de sua ópera O amor das três laranjas, em Chicago, no dia 30 de dezembro de 1921, foi um fracasso total. Em 1922 ele resolveu voltar à Europa e se estabelecer em Paris, onde sua música era largamente aceita pelo público e pela crítica.

 

Longe da censura excessiva das autoridades soviéticas, Prokofiev pôde descobrir seu estilo e compor à sua própria maneira. Vivendo em Paris com a esposa e os dois filhos, e se apresentando regularmente por todo o mundo, inclusive na União Soviética, Prokofiev era um homem livre e bem-sucedido. Por isso o mundo jamais compreendeu a razão pela qual, em 1936, ele resolveu se estabelecer, definitivamente, em Moscou. As promessas das autoridades soviéticas poderiam tê-lo seduzido ao ponto de abandonar sua careira de sucesso por um futuro incerto na União Soviética? Dentre os privilégios estava a garantia de manter a posse do passaporte. De fato, isso permitiu que ele fizesse algumas turnês pela Europa e Estados Unidos sem ter de se humilhar às autoridades de seu país. Mas, em poucos anos, seu passaporte foi solicitado para conferências e nunca mais devolvido. Começavam, ali, os anos de chumbo: a patrulha ideológica, a censura, as perseguições, as prisões e a necessidade de se produzir, constantemente, música de propaganda para um regime cada vez mais brutal. Seria ele ingênuo ao ponto de acreditar nas promessas de Stalin, ou teria sido sua transferência para Moscou uma escolha calculada? Nos Estados Unidos, onde sua música era mal tolerada, Rachmaninov era um sucesso. Na Europa, Stravinsky já estava estabelecido como o maior compositor russo vivo. Sua volta para a União Soviética, em 1936, coincidiu com a época em que, após dois ataques no Pravda (26 de janeiro e 6 de fevereiro), a música de Shostakovich caía em desgraça. Calculada, ou não, sua volta foi muito arriscada. Na sua terra natal ele se tornou o maior compositor soviético, mas amargou as mesmas dores dos outros.

 

Prokofiev foi um dos primeiros compositores do século XX a retornar às estruturas e maneirismos do período clássico. Ele era um excelente orquestrador, capaz de criar atmosferas tão inusitadas quanto as de seu mestre Rimsky-Korsakov. Suas melodias são intensas e cheias de uma vivacidade típica da música russa. Sua Sexta Sinfonia começou a ser esboçada pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, no verão de 1945. A orquestração só seria finalizada em 1947. Em Mi bemol maior, a Sinfonia nº 6 de Prokofiev é escrita na mesma tonalidade da Sinfonia nº 6 de seu amigo Nikolai Myaskovski, a quem ela foi dedicada. A primeira apresentação teve lugar em Leningrado, em 11 de outubro de 1947, pela Orquestra Filarmônica de Leningrado, sob a regência de Evgeny Mravinsky. O público da estreia a recebeu sem muito entusiasmo. Sua reputação só se estabeleceria, nas salas de concerto, após a morte do compositor.

 

O primeiro movimento (Allegro moderato) inicia-se com uma breve introdução constituída de ataques secos nos metais. As cordas logo apresentam o primeiro tema, que será repetido e constantemente modificado pela orquestra até atingirmos o segundo tema, um lamento anunciado no oboé e reapresentado nas cordas (Moderato). Um terceiro tema (Andante molto), uma bela melodia no corne inglês e violas, surge sobre um pano de fundo marcial. Uma seção central tumultuada, onde elementos do primeiro tema são trabalhados, nos leva ao clímax do movimento. Logo após um momento tranquilo temos a reapresentação do segundo e terceiro temas, que nos conduzem a um final calmo e misterioso.

 

O segundo movimento (Largo) inicia-se com o primeiro tema: blocos sonoros imensos nos metais e madeiras que nos remetem à música litúrgica russa. Os violoncelos anunciam o segundo tema, lírico e apaixonado. Uma curta seção central tem início, onde ataques súbitos nos lembram tiros de fuzil. Somos, pouco a pouco, conduzidos à reapresentação do segundo tema para, logo depois, ouvirmos o primeiro tema, que fecha o segundo movimento, tão misterioso quanto o primeiro.

 

O terceiro movimento (Vivace), mais alegre que os anteriores, inicia-se com um tema vivo nos violinos, respondido por um ritmo vigoroso no grave. O segundo tema, mais lírico, é apresentado pelas madeiras sobre um acompanhamento vigoroso. Uma nova seção tem início, onde ouvimos os dois temas constantemente modificados. Esta seção nos conduz à aparição, inusitada, do tema do oboé do primeiro movimento (Andante tenero). Estamos a um minuto do fim e uma nova agitação nos leva ao final majestoso.

 

Guilherme Nascimento
Professor na Universidade do Estado de Minas Gerais e na Fundação de Educação Artística

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