Scherzo capriccioso, op. 66

Antonín DVORÁK

(1883)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinete, clarone, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, cordas.

 

O início dos anos 1880 marca uma mudança no estilo composicional de Dvorák. Se na década anterior seu estilo era leve e, de certo modo, exótico, marcado pelo emprego frequente de alguns aspectos superficiais da música nacional da Boêmia e Morávia, tais como o extenso uso de melodias e ritmos folclóricos, a partir dos anos 1880 ele viria a adquirir um caráter mais profundo, dramático e agressivo.

 

Essa mudança de estilo tem sido atribuída aos tormentos pelos quais o compositor passava na época, ao considerar estabelecer-se em Viena e tornar-se, como desejavam seus simpatizantes – dentre eles Brahms e Eduard Hanslick –, um compositor de óperas alemãs. Em 11 de junho de 1882 Hanslick escreveu: “Acima de tudo eu sinto que seria de grande proveito para o seu desenvolvimento artístico, assim como para o seu sucesso, que você vivesse por um ou dois anos longe de Praga. O melhor de tudo seria, provavelmente, viver em Viena”. Com a morte de Wagner, em 13 de fevereiro de 1883, surgiu a necessidade real de se encontrar alguém que preenchesse o posto vago de principal compositor de ópera alemã. Hanslick escreveu ao amigo, em 3 de maio de 1884: “O Barão Hoffmann, Generalintendant da Ópera da Corte, pediu-me que lhe perguntasse se você se sentiria inclinado a compor uma ópera para o Teatro da Corte para a temporada de 1885 ou 1886”.

 

Embora Dvorák fosse menos radical que seus compatriotas tchecos e tenha chegado a considerar seriamente a possibilidade de mudar-se para Viena, o temor de ser visto como um traidor em sua terra natal afetava consideravelmente sua decisão. Ao final resolveu, a contragosto, declinar das ofertas.

 

O Scherzo capriccioso, op. 66 foi composto no mesmo ano do Trio para piano em fá menor, op. 65 e da Abertura dramática Husitská, op. 67 e pertence a esse novo estilo composicional de Dvorák. Em se tratando de um scherzo, o novo estilo mais intenso e visceral pode soar, à primeira vista, contraditório, uma vez que o scherzo é uma brincadeira musical – do italiano scherzare (brincar, zombar, fazer gracejos) – e não o gênero adequado para o drama e a introspecção. Mas há que lembrar que não estamos lidando com um scherzo qualquer, mas com um scherzo caprichoso, ou a capriccio.

 

A primeira seção (Allegro con fuoco) inicia-se com uma breve introdução, seguida do primeiro tema, alegre e festivo, nas cordas e madeiras, com fortes marcações dos metais e pratos. O segundo tema é ouvido logo a seguir: uma valsa vienense com certo sabor melancólico. A segunda seção (Poco tranquillo) possui também dois temas: o primeiro, uma melodia introspectiva no corne inglês (seguido pelos primeiros violinos e flautas); e o segundo, uma outra valsa vienense, leve no início e, aos poucos, extremamente dramática.

 

Os registros da estreia são incompletos, mas, ao que tudo indica, o Scherzo capriccioso foi apresentado em público, pela primeira vez, no dia 16 de maio de 1883, no Teatro Nacional, em Praga, sob a regência de Adolf Čech.

 

Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.

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