Sinfonia nº 4 em ré menor, op. 13

Antonín DVORÁK

(1874)

Instrumentação: 2 piccolos, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, percussão, harpa, cordas.

 

Há sempre um “não sei quê” em Dvorák que causa um maravilhoso estranhamento… Certas colorações harmônicas, certos modalismos, certas construções melódicas que, nas palavras de João Cabral de Melo Neto, “açulam a atenção” de um ouvido condicionado à causalidade e linearidade absolutas do mais clássico sistema tonal. Dvorák nunca se afastou da tradição romântica e suas fontes primevas seguem indiscutivelmente o grande melodismo de Schubert e Brahms. Na sua linguagem sinfônica se notam claramente Brahms, mais Liszt e Wagner como fontes principais. No entanto, há uma espécie de diferencial em seus resultados sonoros que não se pode explicar senão pela adoção de uma postura estética diretamente vinculada às suas origens nacionais. Ou, antes, uma postura estética que leva em conta a corrente inaugurada por Smetana, na Boêmia. Uma corrente que persistiria para além do próprio Romantismo e que se tornaria fecunda já bem adentrada no século XX, gerando nomes como o de Janácek e, mais tarde, o próprio Bartók.

 

É interessante notar que a Escola inaugurada por Smetana se torna, assim, uma espécie de “ideologia musical” supraestilística, que tem força e autonomia suficientes para transitar entre diversos idiomas musicais sem perder sua integridade. Talvez seja este o caso de Dvorák. Pintá-lo como representante ilustre de certo nacionalismo musical boêmio seria diminuir tanto a sua obra, de inquestionável valor estético, quanto a sua linguagem.

 

É certo que Dvorák busca no folclore boêmio elementos para sua criação. Mas, é como se o folclore ali estivesse, e ao mesmo tempo não estivesse. Ou, que me perdoe a Antropologia, é como se em sua obra houvesse um folclore como gostaríamos que fosse. Não há citações, se não raramente, em suas obras. Há, isso sim, a recriação de um material musical de que ele tem pleno conhecimento e plena vivência, mas de que não precisa se apropriar. Um material que é a sua própria argamassa para a construção. Assim, Dvorák se firma em dois elementos fundamentais para alicerçar sua linguagem: de um lado, a solidez da tradição musical do Romantismo Alemão e, de outro, a própria tradição musical folclórica da Boêmia, que rejunta e remodela, criando um resultado original e único. Esse resultado lhe valeu merecidamente o reconhecimento de seus contemporâneos (incluindo Brahms e Tchaikovsky) e títulos acadêmicos, como os de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Cambridge e pela Universidade de Praga.

 

As nove sinfonias de Dvorák começam a ser compostas quando o compositor contava vinte e quatro anos de idade. Da primeira à última somam-se vinte e oito anos de trabalho criador, que de forma alguma se resumiu ao repertório puramente sinfônico: sua obra conta com diversas peças para música de câmara em várias formações, concertos para instrumentos solistas (vários para piano e um, célebre, para violoncelo), canções, obras para piano solo, dez óperas e diversas obras para coro e orquestra, dentre as quais ressaltam o importante Stabat Mater e o Requiem. No entanto, desde sua primeira sinfonia, intitulada Os sinos de Zlonice, já se revelam as características que viriam a se tornar recorrentes em sua produção posterior: o apego (por falta de termo melhor) à tradição musical boêmia e o profundo respeito pela arte erudita germânica. Dessa amálgama se constrói a sua linguagem.

 

A Sinfonia nº 4, op. 13, em ré menor, forma parelha com a sinfonia anterior. Ambas são marcadas pelo profundo impacto que teve em Dvorák a música de Richard Wagner. Se, porém, na Terceira Sinfonia isso transparece de forma explícita, na Quarta, entretanto, já se expressa a fusão entre a mentalidade musical boêmia e a formação intelectual germânica que sempre guiaram a atividade criadora de Dvorák.

 

Composta entre janeiro e março de 1874, a Quarta Sinfonia foi estreada em maio do mesmo ano, sob a batuta de ninguém menos que Bedrich Smetana, em Praga. Embora aí se ouça nitidamente a presença de Wagner (como de Tannhäuser, no segundo movimento), não se pode em absoluto falar de subserviência ao modelo germânico. Dvorák sabe usar de suas fontes como modelo, mas nunca como gabarito. A presença do elemento boêmio atenua, assim, as fontes wagnerianas, e a obra, como tudo em Dvorák, soa original e autônoma. Tanto assim é que elementos do terceiro movimento foram usados, posteriormente, como motivos de composições para piano a quatro mãos.

 

A Quarta Sinfonia de Dvorák é, hoje, uma de suas obras mais celebradas, assim como a oitava e a nona sinfonias: talvez pela maestria da elaboração formal, talvez somente pela originalidade, ou pela riqueza e acessibilidade melódica. O fato é que sempre há um “não sei o quê” na obra de Dvorák que sempre açula a atenção…

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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