Sinfonia nº 5 em Si bemol maior, D. 485

Franz SCHUBERT

O Romantismo idealizou a personalidade do “Artista” como um ser excepcional, atormentado em sua genialidade e diferenciado dos outros homens por um destino implacável. Franz Schubert admirava profundamente Beethoven, o protótipo do gênio musical romântico. Vinte e sete anos mais novo que seu ídolo, acompanhou de perto o sucesso do grande músico (cujas sinfonias, com exceção da Nona, foram todas compostas antes de 1812). Ambos viviam em Viena, mas frequentavam ambientes diferentes, pois Beethoven era uma celebridade e Schubert viveu quase no anonimato.

 

Sua breve vida transcorreu sem acontecimentos espetaculares, em uma rotina de muito trabalho e pouco reconhecimento público. Foi um homem tímido, pouco ambicioso e muito cordial. Se algum drama profundo marcou-lhe a existência, Schubert o confiou somente ao coração e à música. Sua genialidade acompanhou-se do prodigioso dom de descobrir, na vida simples que levava, um rico e inesgotável manancial de poesia.

 

Décimo segundo filho de um professor de escola, Schubert nasceu em Lichtenthal, subúrbio de Viena. Criou-se em um ambiente de disciplina severa, amenizada pela prática da música. Todos os irmãos tocavam algum instrumento e o pequeno Franz logo se destacou entre eles, compondo para o grupo musical familiar. Em ambiente mais propício, seus dons musicais certamente teriam causado furor; para Schubert, significaram aulas de harmonia com o mestre-capela paroquial, que teve o grande mérito de não tolher a criatividade do aluno. E Schubert continuou compondo – enquanto menino cantor do coro da Capela Imperial, como estudante no Seminário e na Escola Normal. Aos catorze anos, começou a compor canções; aos quinze, compôs quartetos de cordas; aos dezesseis, a primeira sinfonia. No ano em que completou dezoito anos, escreveu cento e quarenta Lieder, duas missas e uma sinfonia. Mas o pai, zeloso de seu futuro, queria que o filho o substituísse no magistério. O compositor, timidamente, candidatou-se a cargos musicais oficiais, que sempre lhe foram negados. Schubert começou então uma existência nômade, hospedando-se em casa de amigos fiéis que procuraram amenizar suas dificuldades financeiras. Infeliz no amor, o compositor sentia necessidade do convívio com seus companheiros; as reuniões musicais desses jovens artistas, poetas e pintores, celebrizaram-se como as “schubertíades”.

 

Schubert viveu apenas trinta e um anos e compôs mais de seiscentas canções, quinze quartetos de cordas, dezessete óperas, sete missas, cantatas, motetos, hinos, coros, música de câmara e grande variedade de peças para piano – fantasias, improvisos, momentos musicais, valsas, danças e sonatas.

 

Quanto às suas sinfonias, oito delas estão definitivamente incorporadas ao repertório das grandes orquestras: as seis primeiras, compostas entre 1813 e 1818, quando o compositor tinha entre 16 e 21 anos; a Sinfonia nº 8, a “Inacabada” (1822); e a Sinfonia nº 9, a “Grande” (1828). O desenvolvimento de Schubert nesse gênero foi lento, percorrendo um longo caminho até a maturidade das duas últimas sinfonias. O compositor teve que se moldar à grande forma-sonata orquestral, uma vez que as principais características de seu gênio predispunham-no às pequenas formas musicais, sobretudo para a canção. Marcada pela beleza melódica, sua linguagem caracteriza-se pelo forte poder emotivo das modulações harmônicas, capazes de criar, em poucos compassos, um drama, ou de sugerir, rapidamente, um novo sentimento poético.

 

Schubert nunca ouviu suas sinfonias apresentadas por orquestras profissionais. E somente nos últimos anos as seis primeiras tornaram-se mais conhecidas, quando execuções mais frequentes revelaram o frescor e a encantadora simplicidade dessas partituras. As três primeiras constituem exercícios de um jovem gênio sobre o modelo clássico de Haydn e Mozart. A quarta sinfonia, denominada “Trágica”, é uma incursão prematura do compositor no universo beethoveniano – a escolha da tonalidade de dó menor e a amplitude da orquestra, com quatro trompas, revelam o modelo da Quinta Sinfonia de Beethoven.

 

Composta em 1816, a Sinfonia nº 5 de Schubert retoma o modelo mozartiano e sintetiza as anteriores aquisições técnicas do compositor – clareza formal, interesse contrapontístico e transparência de orquestração, além da habitual riqueza melódica. Divide-se em quatro movimentos: o Allegro apresenta interessante jogo contrapontístico; o tema do Andante con moto tem um caráter pastoral e traz um inesquecível dueto entre as cordas e as madeiras; o Minueto, de grande vigor, é uma evidente homenagem ao Mozart da sinfonia em sol menor; e o alegre Allegro vivace termina essa obra-prima marcando-a com uma enternecedora originalidade juvenil.

 

A Sinfonia nº 5 teve sua primeira audição pública em Viena, a 17 de outubro de 1841, treze anos após a morte de Schubert.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Doutor em Letras, professor de Música da UEMG, autor do livro Músico, doce músico

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