Um ato de fé

Levy Oliveira

(2015)

 

Instrumentação: 2 piccolos, 2 flautas, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 2 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, piano, cordas.

 

Levy Oliveira iniciou sua educação formal em Música na Fundação de Educação Artística, em Belo Horizonte, antes de ingressar no curso de Composição da Escola de Música da UFMG, em 2011. Em 2015, passou a ser orientado pelo compositor João Pedro de Oliveira, um dos principais responsáveis pelo amadurecimento de sua técnica composicional e uma de suas mais marcantes influências estéticas, talvez tanto quanto a de Stravinsky. Levy Oliveira reconhece ainda a valiosa contribuição dos músicos Rogério Vasconcelos, Oiliam Lanna, Gilberto Carvalho e Ana Cláudia de Assis para sua formação musical.

 

Embora ainda jovem, o compositor vem desenvolvendo um trabalho de alcance internacional, com obras executadas já em nove países. A difusão de seu trabalho dá-se essencialmente através de festivais internacionais, como o Monaco Electroacoustique 2015, em Mônaco; o International Days of Electronic Music (Jimec) 2015, na França; o Muslab 2015, no México; e o Open Circuit 2016, na Inglaterra. Em suas composições mais recentes, Levy Oliveira explora, sobretudo, os sons eletrônicos, como em Hiperestesia, obra finalista do Open Circuit Composition Prize e primeiro prêmio no Concurso de Composição Eletroacústica Eduardo Bértola. O interesse pelas mídias eletrônicas deve-se, entre outras razões, à possibilidade de execução da obra assim que composta, sem a necessidade de mediação da partitura e do intérprete, e ao imenso potencial expressivo dos sons eletrônicos, que não estão sujeitos nem às limitações físicas dos intérpretes e nem aos restritos registros dos instrumentos acústicos. Sua relação com a música eletroacústica é, deste modo, determinante no conjunto de seu trabalho, chegando mesmo a influenciar sua percepção orquestral.

 

Um ato de fé, originalmente A leap of faith, recebeu menção honrosa no Festival Tinta Fresca 2016, realizado pela Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. A obra inspira-se no poema A Música das Almas de Vinicius de Moraes:

 

Na manhã infinita as nuvens surgiram como a loucura numa alma

E o vento como o instinto desceu os braços das árvores que estrangularam a terra…

Depois veio a claridade, o grande céu, a paz dos campos…

Mas nos caminhos todos choravam com os rostos levados para o alto

Porque a vida tinha misteriosamente passado na tormenta.

 

A obra toma de empréstimo do poema a oposição entre tormenta e calmaria, transposta musicalmente num jogo de episódios camerísticos e mais delicados que se adensam em tutti orquestrais mais tempestuosos e agressivos. Um ato de fé ilustra o cuidado do compositor com a forma, enfatizado pelas fluidas articulações, e o desejo de exploração máxima de um material mínimo. Isso se reflete em especial num tratamento harmônico colorido e profundamente organizado, orientado pela ideia de conjunto de alturas, em alternativa às familiares cores da tonalidade e ao acinzentado incolor da atonalidade pura. Na obra, massas de sons movem-se como massas de ar, e o ato de fé reside na secular e diária certeza da mudança: a crença inabalável de que súbita e misteriosamente passamos de um extremo a outro da existência, seja em razão de uma alteração harmônica, uma rajada de vento ou um lance de sorte.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.

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