A verdadeira fruição musical dos "Noturnos" de Chopin
| 11 nov 2020
Schoenberg em brilhante interpretação da Orquestra de Câmara Norueguesa
Ao apreciar a evolução das correntes estéticas do século XX, independentemente do lado que escolhermos, não podemos deixar de admirar o impulso criativo que caracterizou a obra de vários compositores (e outros artistas), principalmente nas primeiras décadas do século XX. Stravinsky “destruiu” a noção do tempo regular. Compositores de linguagens antagônicas dotaram as orquestras de novos “sons”: a máquina de vento, buzinas, apitos, tiros de pistola, até, mais recentemente, sintetizadores e outros recursos eletrônicos.
Mas, talvez, a revolução mais marcante e controversa tenha sido a que atacou o sistema tonal, substituindo-o por outro em que a relação entre as notas de uma escala é concentrada não numa hierarquia de tons e semitons, mas numa “democracia” melódica baseada apenas em semitons, todos iguais, sem “preferência” ou “dominância” de uma nota em particular. Grosso modo, a esse sistema se deu o nome de dodecafonismo (doze sons), e seu criador foi o austríaco Arnold Schoenberg.
Schonberg é um dos compositores mais admirados e, ao mesmo tempo, vilificados na história da música. Não há dúvidas de que os avanços de várias correntes estéticas do século XX vêm diretamente de suas concepções. Mas também há os que defendem a ideia de que ele “destruiu” o que comumente chamamos de melodia.
O propósito, aqui, não é defender ou atacar qualquer dessas posturas. Mais uma vez, quero ressaltar um preceito que venho explorando ao longo dessas recomendações: toda revolução bem-sucedida não surge do nada, mas sim de um processo de evolução baseado em sólidas técnicas e experiências que levam o revolucionário a chegar, eventualmente, a uma ruptura. O dodecafonismo de Schoenberg não é produto de uma “eureca” reservada a alguns gênios selecionados. Ele se desenvolveu diante de uma longa transformação do sistema tonal que se iniciou desde os tempos de Bach até os últimos românticos da passagem dos séculos XIX e XX. O próprio Schoenberg, antes de estabelecer seu revolucionário sistema, escreveu várias obras de cunho romântico, algumas de uma simplicidade intimista, outras de dimensões monumentais típicas dos compositores daquela época.
Dentre essas obras ainda de forte teor tonal e romântico, mas já ampliando a esfera das possibilidades do campo harmônico, está sua obra para cordas Noite Transfigurada, originalmente composta para sexteto de cordas, mas frequentemente executada com orquestra de cordas. Assim como muitas obras românticas, ela tem um caráter programático, aqui de influência literária, ao se basear num poema de Richard Dehmel. Contar a estória através da música é o que leva Schoenberg a empregar uma ampla gama de transições (ou modulações) harmônicas que se afastam cada vez mais da “normalidade” tonal prevalente ao final do século XIX.
Entretanto, é aqui, na atmosférica e rica escrita para cordas, que vemos as raízes daquilo que Schoenberg viria a “destruir” anos mais tarde.
Existem exemplos de execuções tanto na versão original em sexteto quanto na versão para orquestra de cordas. Selecionei uma, entretanto, que para mim foi também uma revelação, não necessariamente pela “encenação” da peça, com recursos de iluminação e jogo de câmeras, mas principalmente pelo fato de tocarem “de cor” (sem partitura) e com uma convicção ímpar. Trata-se da Orquestra de Câmara Norueguesa, sob a liderança de Terje Tønnesen. É relativamente comum vermos apresentações em que solistas e regentes não utilizam partituras. Mas raramente isso se traduz entre músicos de orquestra. São mais de trinta minutos de música, complexa, variada em termos de tempos, nuances dinâmicas, dificuldades técnicas e expressivas. O resultado é realmente impressionante. Bravi!
Espero que gostem.
Ilustra este post uma pintura feita por Richard Gerstl.
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