Concerto para piano em lá menor, op. 16

Edvard GRIEG

(1868 | Versão final, 1906)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, cordas.

 

Numa carta aos pais, escrita em Roma em 1870, Grieg narra o episódio em que ele mostra a Franz Liszt seu Concerto para piano: “estávamos curiosos para ver se ele seria capaz de tocar meu concerto à primeira vista. Por mim, achava isso impossível. Liszt era de outra opinião. E pôs-se a tocar. Ao terminar, pôs-se de pé, afastou-se e, em grandes passadas pela sala, vociferava: ‘Sol, sol e não sol sustenido!’ E então, como entre parênteses, baixinho: ‘Smetana trouxe-me recentemente qualquer coisa nesse gênero’. Por fim, devolvendo-me o trabalho, disse-me com aquele seu modo estranho e profundo: ‘Continue assim, é o que lhe digo; você possui as qualidades precisas; não se deixe amedrontar’”.

 

Narrado em tom de anedota, o episódio revela pontos cruciais acerca dessa obra fundamental tanto da literatura pianística quanto do universo sinfônico. Em primeiro lugar, a grande bravura técnica que demanda do intérprete. Em segundo, a inserção de Grieg em um braço do Romantismo que se volta para origens nacionais, como uma busca por novos materiais expressivos para embasar expressões artísticas individuais. Por fim, as proféticas palavras de Liszt, que posicionam Grieg em um lugar importante da Música Ocidental, para além do próprio movimento romântico.

 

Grieg vive em um período de grande efervescência política e cultural da Noruega, que acabara de se libertar da Dinamarca após quatro séculos de dominação. A postura de voltar seus olhos para a imagem de uma Noruega pitoresca, alegre, poética e livre, então, parece ser quase natural. Por isso, sua atitude em relação ao folclore não toma ares de manifesto político, mas de uma necessidade interior. Assim como outros compositores contemporâneos seus, oriundos de periferias dos grandes centros culturais europeus, o movimento que realiza em relação ao folclore é o de apropriação de um material musical que ele remodela no seio de uma linguagem romântica já então plenamente consolidada.

 

O Concerto para piano em lá menor foi composto quando Grieg contava 24 anos de idade, durante uma de suas muitas viagens à Dinamarca, aonde costumava ir em busca de um clima mais ameno. Foi estreado em Copenhagen no ano seguinte, tendo como solista Edmund Neupert, sob a batuta de Holger Simon Paulli. Várias revisões foram feitas na partitura desde a primeira execução em público, a última delas datando do ano anterior ao de sua morte. Essa última versão é a que comumente se executa.

 

Formalmente, o Concerto em lá menor não traz grandes novidades, exceto pelo tratamento dado à forma sonata no primeiro movimento, que tem um desenvolvimento relativamente curto em relação às outras partes, principalmente a extensa cadência e a coda que a segue. Não é na inovação formal que Grieg se destaca, mas na riqueza de seu trabalho melódico e harmônico, e em uma rítmica viva, como a do terceiro movimento. Nesses parâmetros é que se observa sua relação com o folclore e, nela, seu próprio caminho de expressão pessoal.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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