Nikolai RIMSKY-KORSAKOV
Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, harpa, cordas.
Das quinze óperas de Rimsky-Korsakov, onze foram compostas na sua última década e meia de vida, entre os anos 1894 e 1907. Quando ele decidiu voltar-se com força total para a composição de óperas, os russos estavam experimentando uma efervescência cultural sem precedentes, incrementada pelo sucesso das óperas de Tchaikovsky, morto em 1893. Mas tamanho empreendimento – a composição de onze óperas em quatorze anos – não teria se concretizado sem o surgimento de Savva Mamontov em sua vida, seu novo mecenas. Mamontov era um rico industrial, empresário e mercador de Moscou. Amante das artes, especialmente da ópera, decidiu, em 1885, enfrentar o monopólio dos Teatros Imperiais Russos (que montavam praticamente só óperas italianas), ao fundar a Ópera Privada de Moscou, uma companhia que incluía orquestra, regentes, cantores, poetas e artistas plásticos, dedicada exclusivamente à promoção de óperas de compositores russos. O próprio Mamontov cuidava da direção artística e direção de cena. Rachmaninov uma vez escreveu, lembrando-se dos seus anos de juventude, quando trabalhava na Ópera Privada de Moscou: “Mamontov era uma personalidade impressionante em Moscou. Era um amigo sincero e mecenas de todo mundo que fosse talentoso nas esferas da literatura, arte e música”.
A cooperação entre os membros da Ópera Privada de Moscou e Rimsky-Korsakov iniciou-se em 1897, quando Mamontov decidiu estrear, em dezembro, sua ópera Sadko, composta no ano anterior e recém-rejeitada pela direção dos Teatros Imperiais Russos. Ao sucesso dessa primeira produção seguiram-se mais nove óperas, quase todas estreadas pela trupe de Mamontov. A noiva do Czar, baseada no drama homônimo de Lev Mey e com libreto de Ilia Tyumenev, foi estreada em 3 de novembro de 1899 pela Ópera Privada de Moscou, sob a regência de Mikhail Ippolitov-Ivanov. A ópera conta a história de Marfa, cuja beleza estonteante é disputada pelo aristocrata Likov, pelo próprio Czar Ivan, o Terrível, e por Gryaznoy, um de seus guarda-costas. Escrita no estilo de Tchaikovsky, A noiva do Czar é repleta daquele lirismo vocal abundante que Rimsky-Korsakov havia abandonado em suas primeiras óperas. A orquestra exuberante auxilia na construção das cenas, preparando as atmosferas e apoiando os personagens, ao enfatizar suas melodias e realçar suas características psicológicas.
Na Abertura da ópera, dois temas dominam a cena, ambos executados pelos violinos e madeiras: o primeiro, extremamente enérgico e vigoroso, e o segundo, doce e lírico. Os dois temas são desenvolvidos e reexpostos até o ponto em que atingimos uma seção explosiva que parece nos conduzir ao fechamento da obra. Porém, de súbito, para nossa surpresa, Rimsky-Korsakov introduz um terceiro tema, contemplativo, na flauta, oboé e primeiros violinos, e a Abertura termina inesperadamente suave.
Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Escola de Música da UEMG, autor dos livros Os sapatos floridos não voam e Música menor.