Ludwig van BEETHOVEN
Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, tímpanos, cordas.
Na época de Beethoven surgiu o costume de se iniciar toda apresentação teatral com uma peça musical, muitas vezes composta especialmente para a ocasião, com o propósito de preparar o público para o teor da apresentação. Beethoven compôs a Abertura Coriolano inspirado na tragédia homônima do poeta e dramaturgo vienense Heinrich J. von Collin, estreada em Viena em novembro de 1802 com muito sucesso. Não é difícil imaginar por que Beethoven se encantou tanto com a personagem principal. Coriolano é um herói romano dividido entre o impulso patriótico, a devoção à família e o orgulho próprio. Promovido a general após longos serviços prestados a Roma, Coriolano se candidata ao posto de cônsul. Traído por seus inimigos, é banido de Roma e, como vingança, levanta um exército poderoso para invadir a cidade. Os romanos, em pânico, enviam sua mãe, esposa e filho para convencê-lo a desistir de invadir a cidade. Ele aceita os pedidos da família, mas escolhe o suicídio como única saída honrosa para sua situação.
De acordo com E.T.A. Hoffmann, célebre escritor e poeta alemão, contemporâneo de Beethoven, a Abertura Coriolano “é perfeitamente adequada a criar a expectativa de que um grande e trágico evento será o conteúdo da peça que se segue. Somente uma tragédia de caráter elevado, onde heróis são criados e destruídos, poderia vir após essa abertura”. Esquecida após o sucesso inicial, a peça teatral foi reapresentada em Viena uma única vez, em abril de 1807. Se Beethoven compôs a abertura para essa ocasião e se ela foi executada juntamente com a peça teatral, jamais saberemos. Os registros não mencionam se houve música no dia e é bem provável que a Abertura Coriolano jamais tenha sido apresentada como introdução da peça teatral enquanto Beethoven viveu. Trata-se, antes de tudo, de uma obra autônoma, uma abertura de concerto pensada para sobreviver independentemente da peça teatral que a inspirou. Dedicada a Collin, foi ouvida, pela primeira vez, no início de março de 1807, em concerto privado na casa do Príncipe Lichnowsky (como consta de uma crítica publicada no dia 8 de março sobre um concerto recentemente oferecido pelo príncipe). Muito provavelmente Beethoven foi o regente.
Ao invés de apresentar, musicalmente, o esquema narrativo da peça teatral, Beethoven preferiu enfatizar os humores da personagem principal e as atmosferas previstas nas cenas. O “grande e trágico evento” previsto por Hoffmann é garantido pela incrível força da obra. A Abertura Coriolano começa com uma introdução em que ouvimos uma série de ataques incisivos, separados por pausas. O tema principal inicia-se e logo somos levados por uma tormenta de energia que parece nunca terminar. O segundo tema é contrastante em caráter e, embora a energia não se dissipe, somos conduzidos a uma atmosfera mais calma enquanto o tema é reapresentado diversas vezes em alternância nas cordas e madeiras. Ambos os temas, ao longo da obra, são entrecortados pelos ataques da introdução, até o momento em que uma última aparição do segundo tema nos conduz a um desfecho inesperado, onde a desintegração melódica dissolve a música até o pianissimo final.
Guilherme Nascimento
Compositor, Doutor em Música pela Unicamp, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais e Fundação de Educação Artística, autor dos livros Música menor e Os sapatos floridos não voam.