Franz Liszt
A personalidade multifacetada e cosmopolita de Liszt exerceu um fascínio irresistível sobre seus contemporâneos. Possivelmente o maior virtuose de todos os tempos, improvisador de habilidade vertiginosa, idolatrado pelo público, viajante incansável, o compositor transitou nos meios literários, artísticos, filosóficos, políticos e marcou profundamente o Movimento Romântico.
Liszt foi, sobretudo, um inovador. Criou o moderno recital pianístico, usou seu domínio sobre o público para impor ao repertório de concerto grandes mestres do passado, divulgou a obra de contemporâneos e reafirmou-se como o maior intérprete de Beethoven, cujas Sonatas e Concertos apresentava, sistematicamente, com zelo missionário. Com o passar dos anos, passou a dedicar-se mais à composição. A partir de 1842, como diretor musical em Weimar, Liszt tornou-se propagandista e defensor de compositores ainda não bastante reconhecidos, principalmente os revolucionários Berlioz e Wagner. Fez da pequena cidade um dos centros musicais mais influentes da Europa, opondo-se a focos conservadores. Até então, Liszt havia composto apenas para piano; seus primeiros poemas sinfônicos, datados do final da década de 1840, caracterizam a investida tardia do compositor no campo orquestral e sinalizam sua maturidade criativa.
Na música orquestral, os antecedentes mais determinantes para o compositor foram a Sinfonia Pastoral de Beethoven e a Sinfonia Fantástica de Berlioz. Sua intenção ao compor os poemas sinfônicos não seria retratar musicalmente os assuntos poéticos escolhidos, mas sim externar os sentimentos que tais enredos lhe suscitavam. Sob esse aspecto, seguiu a orientação de Beethoven para a Sinfonia Pastoral: “mais sentimento do que pintura”.
O poema sinfônico foi fixado por Liszt como gênero musical em uma série de treze peças orquestrais, compostas em Weimar, entre 1848 e 1861. A maior inovação da obra de Liszt procede de sua recusa sistemática ao uso da forma sonata. Para ele, tal forma atingira os limites da perfeição nas sinfonias clássicas. Seria, portanto, impossível ir musicalmente à frente sem procurar outros caminhos. Liszt cultivou então a ideia do poematismo: a ordenação do discurso sonoro pela lógica motriz de ideias extramusicais. Cada obra exigia assim uma nova forma, específica, conforme seu conteúdo. A transformação constante do material temático cria a sensação de improvisação ao sabor do momento, alheia à tensão tonal e simetria clássicas. A unidade do poema se estabelece pela utilização, através de toda a obra, de núcleos temáticos. No caso de Os ideais, por exemplo, o núcleo temático é o intervalo de terça.
Em 1857, Liszt apresentou em Weimar duas obras homenageando Goethe e Schiller, respectivamente a Sinfonia Fausto e Os Ideais, o décimo segundo de seus poemas sinfônicos. Os versos de Schiller foram copiados por Liszt na partitura e contemplam os ideais de amor, verdade, amizade; as aspirações, lutas e realizações da vida de um homem comum.
Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, Professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado: Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.