The Glory and the Grandeur

Russell Peck

(1988)

 

Devido às inúmeras montadoras de automóveis, Detroit foi apelidada de “motor town”. No cenário musical, a cidade dos motores tornou-se inesquecível em razão da Motown Records, gravadora que dominou as paradas de sucesso norte-americanas dos anos sessenta e setenta do século XX. Projetada para funcionar como uma linha de montagem, os músicos ali recebiam por hora; chegavam ao estúdio preparados, gravavam e eram dispensados. O resultado, um soul mais sofisticado, com arranjos mais complexos, texturas mais elaboradas: uma música mais planejada, mais pop, pensada para o sucesso. Para Russell Peck, a Motown foi inspiração, tanto como Mozart.

 

Nascido em Detroit, Peck formou-se na Universidade de Michigan, onde cursou mestrado e doutorado em Composição. Aluno dos eminentes compositores Clark Eastham, Leslie Bassett, Ross Lee Finney, Gunther Schuller e George Rochberg, desenvolveu um estilo vigoroso e eclético. Com leve influência das vanguardas e calcada na tradição, sua música se mescla à sonoridade pop do soul e do rock. O colorido reconhecido de sua orquestração não abre mão de uma escrita idiomática que potencializa a expressividade dos instrumentos em jogo. Tal domínio, aliado à fluente recepção de seu repertório, fez com que fosse executado por centenas de orquestras. Em 2000, compôs a obra Harmonic Rhythm, um concerto para tímpano, a pedido de um consórcio de 39 orquestras norte-americanas – a mais ampla experiência de encomenda na história da música.

 

The Glory and the Grandeur foi composta por solicitação da Greensboro Symphony e estreada em 1988, tendo como solista o Percussion Group Cincinatti. A apropriação de ritmos populares norte-americanos e o uso de escalas blues garantem à obra um ethos levemente nacionalista. A definição de localizar o conjunto de percussão à frente da orquestra – além de reafirmar a posição destacada do grupo solista – revela o cuidado, declarado pelo compositor, com a inserção da movimentação dos músicos no palco como elemento dramático da obra. Para Russell Peck, o gestual e os deslocamentos dos instrumentistas em meio ao set de percussão são também componentes estruturais que agregam fluidez e auxiliam a expressão do discurso musical. Seu processo criativo não versa apenas sobre o som. Peck articula-o à imagem ao considerar o concerto como uma experiência de impacto, singular. Enquanto compõe, ele se imagina como o ouvinte presente na estreia. Essa preocupação desencadeou significativas e numerosas parcerias com redes de televisão, das quais resultaram trabalhos premiados. The Glory and the Grandeur tornou-se a obra mais televisionada do autor.

 

Por sugestão de Al Otte, fundador do Percussion Group Cincinatti, Peck parafraseou sua famosa peça para trio de percussão, Lift-off!, na qual sugere decolagens de helicópteros. A partir desse material, desenvolveu uma cadência inicial enérgica. Intenso e vibrante, o Concerto faz, do teatro, ambiente apropriado à construção de um espaço sonoro complexo, dentro do qual os sons se cruzam em múltiplos pontos, excitando a escuta do público.

 

Igor Reyner
Pianista, Mestre em Música pela UFMG, doutorando de Francês no King’s College London e colaborador do ARIAS/Sorbonne Nouvelle Paris 3.

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