Samuel BARBER
Uma das maiores virtudes da música e dos compositores norte-americanos no século XX foi seu compromisso com a liberdade… Ou, antes, a falta do compromisso de se engajarem em correntes estéticas ou escolas doutrinadoras dos processos criativos. Mesmo compositores como Copland e Bernstein, que flertaram com certas tendências estéticas já estabelecidas, conservaram sempre essa atitude autóctone, individual e livre da criação artística. Ao contrário de seus vizinhos latino-americanos, os compositores dos Estados Unidos da América, no século XX, em geral não buscavam a construção de uma nacionalidade artística ou musical: a própria influência do Jazz, marcante em alguns compositores, a exemplo de Gershwin e, de novo, Bernstein, não leva os Estados Unidos a darem curso a correntes nacionalistas. Disso resultou um sopro vivo e vigoroso de liberdade criativa, que tem uma dupla face: de um lado a possibilidade infinita de empreender as mais ousadas experimentações, cujo exemplo mais marcante sejam a vida e a obra de Charles Ives. De outro lado, a possibilidade de utilização livre, sem qualquer tipo de vinculação dogmática, das grandes conquistas que as correntes europeias vieram a realizar, ou mesmo da tradição musical do Ocidente, revisitada e revista agora pelos olhos do Novo Mundo.
Cabe perfeitamente, nessa ausência de rotulações, o nome de Samuel Barber. No entanto, sua obra frequentemente cria polêmica entre críticos e estudiosos da Música, exatamente pela impossibilidade de enquadrá-la genericamente em qualquer tipo de corrente ou tendência específica. Barber não fundou nenhuma escola, nem tampouco se filiou a qualquer estilo. Sua atitude diante do ofício da composição parece ser somente a de compor, sem se aliar a qualquer campo definido, o que atrai para si, ainda hoje, posições favoráveis e desfavoráveis. Há quem tenha tentado situar muito de sua obra num âmbito de neorromantismo. O termo, além de vago, é inadequado: embora grande melodista e embora nunca tenha negado totalmente a tonalidade, sua harmonia é frequentemente muito complexa, sem receio de qualquer tipo de dissonância. Seu trabalho de elaboração formal escapa muitas vezes a quaisquer modelos preestabelecidos e sua orquestração tem momentos de combinações tão arrojadas que beiram o experimentalismo.
Esse norte-americano nascido na Pensilvânia era filho de um médico e de uma pianista, e trazia, entre seus familiares, inúmeros musicistas, amadores ou não. Embora sua disposição para a música tenha se revelado bem cedo, não se tornou (ou foi feito) nenhum prodígio. No entanto, seu op. 1, uma Serenata para Cordas, foi composto enquanto ainda era estudante no Curtis Institute, na Filadélfia. Tendo vivido 71 anos, serviu na Segunda Guerra Mundial e, em sua idade madura, teve participação ativa em organizações a serviço da promoção da música e dos músicos: foi, por exemplo, presidente do Conselho Internacional de Música da Unesco. Além disso, foi eleito membro da American Academy of Arts and Letters e ganhou duas vezes o prêmio Pulitzer: em 1958, por sua ópera Vanessa e em 1963, pelo seu Concerto para piano.
Costuma-se associar imediatamente o nome de Barber ao conhecido e hoje quase vulgarizado Adagio para cordas (que, na verdade, trata-se de uma transcrição do segundo movimento do seu Quarteto de Cordas, op. 11). Sua obra, porém, não pode se modelar por somente esse exemplo: além de diversificada em gêneros e caráteres, apresenta contrastes que, no entanto, nunca deixam de revelar a sua própria personalidade criadora que permaneceu ativa até seus anos mais tardios. A abertura para A Escola do Escândalo, porém, foi composta em 1931, quando o compositor completava seus estudos no Curtis Institute. Tendo sido sua primeira composição para grande orquestra, feita quando ele contava com apenas 21 anos, essa obra já demonstra a excelência de Barber nas técnicas da composição e da orquestração, e revela a personalidade artística independente, desvinculada de quaisquer dogmatismos escolásticos, que lhe marcou o caminho criador. Fundamentada na comédia homônima de Richard Brinsley Sheridan, essa obra de Barber, procurando refletir o espírito da peça, é marcada por um brilho particular na orquestração e por contrastes frequentes em tempo, dinâmica e caráter. A abertura para A escola do Escândalo, ademais, ajudou a projetar o nome de Barber no cenário nacional norte-americano e ganhou, em 1933, ano de sua estreia, o prêmio Joseph H. Bearns, conferido pela Columbia University.
Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Mestre em Teoria da Literatura, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Fundação de Educação Artística e da Escola de Música da UEMG.