Anton BRUCKNER
O grande desenvolvimento técnico dos instrumentos da orquestra, no século XIX, possibilitou o surgimento de uma linguagem musical com texturas e sonoridades bastante complexas. A luteria dos sopros havia, finalmente, alcançado uma grande homogeneidade tímbrica em todo o registro das famílias de madeiras e metais. Como consequência, a identidade de colorido dos diferentes naipes orquestrais tornou possível a diferenciação dos planos sonoros simultâneos com maior clareza e transparência. Além disso, a invenção dos pistons para os instrumentos de metal permitiu o desenvolvimento de uma linguagem harmônica cromática. Anteriormente, esses instrumentos estavam limitados às notas da série harmônica, embora houvesse uma técnica para obter notas cromáticas – nas trompas – com o abafamento da campana do instrumento com a mão. Contudo, essa técnica não era satisfatória, pois o timbre perdia a homogeneidade do colorido. Com todo esse avanço tecnológico, o compositor orquestral do século XIX teve, enfim, acesso a uma paleta tímbrica bastante diferenciada. Já se notava nas Sinfonias de Beethoven uma tendência à complexidade textural e uma diferenciação de planos sonoros que iam além das práticas de Haydn e Mozart. Mas foi a geração de Wagner e Bruckner que pôde ultrapassar radicalmente o modelo clássico com suas catedrais sonoras. É possível que a experiência de organista tenha influenciado a imaginação orquestral de Bruckner, com seus planos de sonoridades superpostos ao modo dos registros do órgão. Mas a orquestra possibilitou-lhe um trabalho contrapontístico e uma diferenciação rítmica singular entre as camadas de sonoridade.
As sinfonias de Bruckner são características do romantismo austro-germânico, com sua harmonia cromática e polifonia complexa. O uso frequente de dissonâncias influenciou alguns compositores das gerações posteriores, como Mahler e Schoenberg. Algumas das características de seu estilo foram incompreendidas pela crítica musical da época como, por exemplo, por Eduard Hanslick, que condenava seu uso da repetição de motivos e as dimensões de suas peças. A crítica frequente de seus contemporâneos, aliada a uma personalidade insegura, contribuíram para que Bruckner fizesse constantes revisões em suas sinfonias.
Bruckner compôs sua Sinfonia nº 1 entre janeiro de 1865 e abril de 1866 e conduziu sua estreia em Linz, em 1868. A composição se iniciou logo após uma perfomance da ópera Tannhäuser, de Wagner, em Linz. O impacto dessa experiência deixou alguns traços visíveis na partitura, como, por exemplo, próximo ao fim do primeiro movimento, no tema grandioso apresentado pelos trombones sobre um acompanhamento de figuras rápidas nas cordas, que evoca o Coro dos Peregrinos de Tannhäuser. Essa referência dramática a Wagner foi observada pelo regente Hans von Bülow, a quem Bruckner apresentou sua partitura, logo após a estreia de Tristão e Isolda, em Munique.
Entre os traços estilísticos das sinfonias de Bruckner, observam-se as suaves aberturas de cordas contrastadas com os súbitos corais fortissimo dos instrumentos de metal, seguidos por um compasso de pausa e, ocasionalmente, por duetos entre violinos e trompas. Outra ideia recorrente em suas sinfonias é a repetição incessante de um padrão rítmico-intervalar, habitualmente em contraponto, inicialmente com dinâmica piano e, progressivamente, aumentando a tensão com ritmos mais rápidos, ampliação intervalar, evolução para o agudo e crescendo dinâmico/orquestral. Essa técnica direciona fortemente a escuta para os tutti, que atuam como pilares da arquitetura formal. Também é frequente a escrita em blocos, caracterizada pela alternância de breves fragmentos musicais entre os naipes de cordas, madeiras e metais.
A Sinfonia nº 1 em dó menor segue o modelo característico adotado por Bruckner, com quatro movimentos. O movimento inicial é um Allegro em forma sonata. O segundo movimento é o primeiro dos grandes Adagios de Bruckner e desenvolve uma escrita harmônica bastante cromática. O terceiro, Scherzo, inicia-se com um acompanhamento típico em acordes pulsados e a melodia com caráter de dança popular. O quarto movimento é um Finale movido.
A Sinfonia nº 1 foi revisada em diversas ocasiões e dedicada à Universidade de Viena.
Rogério Vasconcelos
Compositor e professor da Escola de Música da UFMG.