O Garatuja: Prelúdio

Alberto NEPOMUCENO

(1904)

Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, cordas.

 

A crítica modernista do final da primeira metade do século XX consagrou Alberto Nepomuceno como um arauto do nacionalismo musical brasileiro. De fato, o compositor foi dos primeiros a empregar sistematicamente elementos do nosso folclore em suas composições e empreendeu uma intensa campanha pelo canto em Português, enfrentando a reação violenta de críticos que consideravam nosso idioma impróprio para a canção lírica. No contexto da obra de Nepomuceno, porém, esses aspectos nacionalizantes representam apenas uma possibilidade estética, entre muitas outras. Pois uma das características mais marcantes desse prolífico compositor é a capacidade de conciliar, em uma linguagem bastante pessoal, as diversas escolas de composição que o influenciaram ao longo de sua formação.

 

Alberto Nepomuceno passou a infância e a adolescência em Fortaleza e no Recife. Aos dezoito anos, tornou-se o mais jovem diretor de concertos do Clube Carlos Gomes, de Recife. Em 1885, no Rio de Janeiro, fez suas estreias como pianista e professor do instrumento no Clube Beethoven, associação pioneira no incentivo à criação e ao cultivo dos gêneros instrumentais de câmara no Brasil. A partir de 1888, Nepomuceno estudou em Roma, Berlim, Viena e Paris. Casou-se com uma pianista norueguesa, aluna de Grieg, representante máximo do nacionalismo romântico nórdico. A amizade duradoura com Grieg reavivou seus interesses pelos estudos folclóricos. Por outro lado, de forma mais abrangente, Nepomuceno entendeu como “nacionalista” a missão de modernizar o ambiente musical brasileiro, com um questionamento estético da cultura de seu tempo. Homem de ação, já em sua juventude, Nepomuceno tornara-se um defensor atuante das causas republicana e abolicionista. Seu grande interesse pela literatura brasileira e pela valorização da canção em língua portuguesa aproximou-o de alguns dos mais importantes escritores da época, em parcerias com Coelho Netto, Machado de Assis e Olavo Bilac. Sua incansável atuação como diretor do Instituto Nacional de Música e maestro da Associação de Concertos Populares teve consequências determinantes para a cultura musical do país. Nepomuceno apresentava, em primeiras audições brasileiras, obras contemporâneas de compositores europeus – como o Prélude à L’après midi d’un faune, de Debussy – e realizou diversos concertos de música brasileira na Europa. Iniciou o trabalho de recuperação da obra do Padre José Maurício e responsabilizou-se pela publicação das obras do jovem Villa-Lobos. Em 1916, traduziu o Tratado de Harmonia de Schoenberg, cuja pretendida adoção no Instituto Nacional de Música encontrou muitas resistências.

 

Poucos dias antes da morte de Alberto Nepomuceno, Richard Strauss regeu O Garatuja no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Este Prelúdio destinava-se a uma comédia lírica que ficou inacabada, baseada na obra homônima de José de Alencar, com libreto do próprio Nepomuceno. Segundo o compositor, seria uma ópera verdadeiramente brasileira quanto à ambientação carioca, ao uso atualizado da língua portuguesa e à valorização dos ritmos populares, com a marcação sincopada do maxixe e do lundu. Nepomuceno dedicou a este Prelúdio um longo trabalho, concluindo-o em 1904. O tema apresenta um lundu popular, e sua première ocorreu no Rio de Janeiro, sob a direção do autor, em 26 de outubro de 1904.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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