Brasiliana

Claudio Santoro

(1954)

 Instrumentação: Piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpanos, percussão, piano, cordas.

 

A música do compositor e regente amazonense Claudio Santoro navegou pelas mais variadas e até mesmo divergentes correntes estéticas do século XX. Sua primeira fase como compositor corresponde ao período da Segunda Guerra Mundial. Nela percebe-se a utilização de técnicas composicionais da vanguarda estética internacional, como o dodecafonismo e o serialismo – que estudara com Koellreutter no Rio de Janeiro. Em 1947 estuda em Paris com Nadia Boulanger e, em 1948, participa do II Congresso de Compositores e Músicos Progressistas, em Praga. Desde então, assume deliberadamente os preceitos artísticos apregoados pelo Realismo Socialista e abandona os rumos da estética expressionista: “o artista que marcha ao lado do proletariado deve estar na linha do progresso e não ao lado das tendências da última fase da burguesia”, escreveu Santoro à época. Em 1962, levado por Darcy Ribeiro, cria o Departamento de Música da Universidade de Brasília. Em 1964 afasta-se para lecionar na Universidade de Heidelberg, Alemanha. Retornou a Brasília em 1978, assumindo a direção da Orquestra do Teatro Nacional, onde veio a falecer.

 

Nos anos 1950, guiado pelo Informe Zhdanov, Santoro se propôs a aplicar na música nacionalista brasileira os fundamentos da produção cultural dos países socialistas. A essa fase pertence a Brasiliana, iniciada em novembro de 1954, em São Paulo, e concluída em 1955 em Bucareste, na Romênia. Foi estreada pelo autor em 1958, frente à Orquestra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Nela, Santoro aplica premissas da política prescritiva expostas nas resoluções do Congresso de Praga, em suma: uma arte simples, direta e popular, baseada em elementos folclóricos e facilmente assimilável. Para isso, apresenta os temas logo no início da obra, reforçados por diversos instrumentos em uníssono.

 

No primeiro movimento, o autor realiza variantes sobre um motivo melódico de apenas sete notas, com pregnância das três notas ascendentes iniciais. Aliás, material idêntico ao da 3ª Sonata para Piano – outra obra de tendência nacionalista composta em 1955. Tal motivo melódico de sete notas, enérgico, evocado repetidamente, se torna uma unidade simbólica, espécie de metáfora do brado do proletariado sobre a burguesia. A batalha das vozes populares, representada pelo contraponto orquestral, dá lugar ao entendimento mútuo, à consonância dos ideais, representada pelo acorde final. Segundo os preceitos do Realismo Socialista, adotados por Santoro à época, uma obra sinfônica deve transmitir um conteúdo positivo, otimista e encerrar-se vitoriosamente.

 

No Adagio da Brasiliana, o material temático do primeiro movimento parece camuflar-se: as três notas iniciais, antes enérgicas, surgem juntas, num suave acorde, e o tema prossegue com um lírico solo de oboé acompanhado de leve dança sincopada. No Allegro final, Santoro utiliza a rítmica e o modalismo da música nordestina, fornecendo à composição elementos idiossincraticamente nacionais. Nesse movimento, o compositor abre mão da nova estética simplificada e produz um desenvolvimento amplamente sinfônico, contrapontístico, expressivo e dinâmico.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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