Burleske em ré menor

Richard STRAUSS

(1885/1886)

Instrumentação: piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, tímpanos, cordas.

 

As obras concertantes de Strauss não possuem a popularidade de seus poemas sinfônicos nem o prestígio de sua música vocal. Curiosamente, elas emolduram a produção do compositor, concentrando-se em suas extremidades: as primeiras são obras da juventude e as últimas pertencem ao neoclassicismo da maturidade final.

 

A Burleske corresponde ao período em que o jovem Richard Strauss estudava com o pianista e regente de orquestra Hans von Bülow, ao qual a partitura foi originalmente dedicada com o título de Scherzo em ré menor. Refletindo a severa orientação musical de Bülow, pode-se notar no Scherzo forte inspiração brahmsiana. Strauss logo julgou a obra ultrapassada e não lhe atribuiu número de opus. Entretanto, em 1890, o compositor a submeteria a ampla revisão. Renomeada Burleske, foi dedicada ao célebre pianista Eugen d’Albert e apresentada em Eisenach sob a direção do próprio compositor, tendo como solista o novo destinatário. Desde então a peça tem atraído o interesse de grandes pianistas, apesar do ostracismo que as grandes salas reservam a esse tipo de composição que, apesar do caráter concertante, não se baseia na estrutura nem ostenta o nobre título de um verdadeiro concerto solista.

 

A Burleske, obra sem dúvida mais bem realizada do que o scherzo anterior, significou uma etapa importante para o jovem compositor, em busca de seu próprio estilo. Em certa medida, a obra resume as técnicas musicais de seu tempo – há ainda nítida influência de Brahms, de Liszt –, mas Strauss também já indica os caminhos que o libertarão de seus modelos. Apesar do título, não se deve pensar em uma obra cômica. A partitura concilia a forma de um primeiro movimento de sonata (exposição, desenvolvimento e reexposição temática no final) com a liberdade estilística das rapsódias de Liszt e o espírito das fantasias barrocas. O humor aqui se restringe ao caráter de scherzo, reminiscente do propósito inicial.

 

Uma ironia muito pessoal e característica se instala desde os primeiros compassos do Allegro vivace, com a importância dada ao motivo tocado pelos quatro tímpanos. Seus golpes precisos fornecem o tema principal, de ritmo dançante e um pouco sincopado. Nuances de humor marcam também a entrada do solista: o piano se apresenta solene e grave, lembrando Brahms, mas após quatro compassos introduz uma linha cromática descendente em combinações dissonantes, como se zombasse da própria seriedade.

 

O segundo tema é desenvolvido pelo solista sob a aparência de uma valsa um pouco langorosa e contrasta vivamente com o terceiro motivo, de uma poesia mais evidente, quase épica. O contraste dos temas torna-se um recurso compositivo eficiente, contribuindo para a dinâmica que sempre os impulsiona para frente com aguçado sentimento formal. No decorrer de toda a peça, golpes de percussão e tutti orquestrais intervêm para acelerar ou afrouxar o discurso. Após a reexposição completa dos diferentes temas, os tímpanos anunciam com leveza a elegante conclusão confiada ao solista.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado.

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