Concerto para piano nº 1 em sol menor, op. 25

Felix MENDELSSOHN

Mendelssohn morreu jovem. Era belo, inteligente, culto e rico. Teve uma vida feliz, uma bela esposa e filhos maravilhosos. Foi um excelente pianista, compositor e regente. Neto de um grande filósofo, amigo de artistas e cientistas, era admirado por Goethe, Schumann e Wagner. Amava a música alemã do século XVIII e, ao contrário dos artistas da época (ou de qualquer época), jamais se debateu com o fato de seu gosto refinado pender mais para o passado do que para o futuro. Foi aclamado, em vida, por toda a Europa, descobriu e divulgou, para o mundo, a música de Johann Sebastian Bach e fundou, em 1843, o Conservatório de Leipzig.

 

Em 1835, quando assumiu a direção da Gewandhausorchester Leipzig, foi o responsável pela introdução da moderna posição da orquestra, com o regente de costas para o público e os instrumentistas à sua volta, em semicírculo. Antes de Mendelssohn, o regente ficava no meio da orquestra, virado para o público. Os instrumentistas se situavam atrás e na frente do regente. Alguns, na parte da frente, tinham de ficar de costas para o público, para enxergarem o regente que, por sua vez, não conseguia enxergar todos. Tal tradição remetia ao século XVIII, quando o cravista ou o primeiro violino, de algum ponto no meio da orquestra, conduzia todos. Na moderna posição da orquestra, com os instrumentistas de frente para o público, o ganho com a projeção do som foi extremamente significativo. E o regente conseguiu, finalmente, ver e ser visto por todos.

 

Os críticos do século XIX costumavam ver Mendelssohn como um “romântico”. “Romântico”, na época, era o termo utilizado para designar os compositores de gosto mais tradicional, cuja produção musical era calcada na grandeza poética do passado. Em certo sentido, eram vistos como continuadores de Beethoven. Em oposição aos “românticos”, havia os “modernos”, aqueles que arriscavam uma nova poética e plantavam as sementes do futuro. Para os críticos de então, os “modernos” eram Berlioz, Schumann, Liszt e Wagner.

 

De fato, Mendelssohn nunca foi um “moderno”. Seu gosto musical era calcado no estilo de seus antecessores, especialmente J. S. Bach, Mozart e Beethoven. Mas, para ser um continuador de Beethoven, era necessário muito mais coragem do que supunham seus opositores. Apesar de sua grande afinidade com Beethoven, Mendelssohn precisava se firmar como um compositor de sinfonias e concertos pós-beethoveniano. O fato de ter tentado se impor nos gêneros em que Beethoven obteve mais sucesso demonstra uma personalidade segura e corajosa, personalidade esta que os críticos da época, inebriados pelas conquistas dos “modernos”, relutavam em enxergar.

 

Quando Mendelssohn compôs seu Concerto para piano e orquestra no 1, em 1831, Beethoven havia falecido há apenas quatro anos. O condensamento da forma foi talvez o ponto de partida que Mendelssohn encontrou para estabelecer uma maneira de compor diferente de Beethoven. Em Mendelssohn, os três movimentos do Concerto para piano e orquestra no 1 são condensados em um único movimento. Vistos a distância, os três movimentos interligados funcionam como uma coleção de momentos ora grandiosos, ora singelos, que se colocam como uma antítese do concerto beethoveniano. Em Mendelssohn, o piano retoma o papel do protagonista que ele possuía em Mozart. Mas, enquanto, em Mozart, a orquestra funcionava como um espelho psicológico, em Mendelssohn, o piano não dá muito espaço para que ela se estabeleça. Sua escrita virtuosística chega a superar a de Beethoven em alguns momentos. Estreado em Munique em outubro de 1831, seu Concerto para piano e orquestra no 1 é uma tentativa de se opor ao estilo heroico de Beethoven. Não foi fácil compor um concerto na Alemanha pós Beethoven, mas Mendelssohn foi bem-sucedido.

 

Guilherme Nascimento
Doutor em Composição, professor de Música da UEMG e da Fundação de Educação Artística, autor do livro Música menor.

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