Concerto para violão

Heitor VILLA-LOBOS

(1951 | Cadenza, 1955)

Instrumentação: flauta, oboé, clarinete, fagote, trompa, trombone, cordas.

 

O pai de Villa-Lobos foi seu primeiro professor de música, incentivando-o a tocar violoncelo, clarineta, piano, além de levar o menino a ensaios de orquestra, concertos sinfônicos e óperas. Raul Villa-Lobos, homem de grande cultura, morreu quando o filho tinha apenas dez anos. O futuro compositor começou, então, a dedicar-se ao violão (às escondidas e contrariando a vontade materna, pois o instrumento, associado à boemia, não tinha acesso às salas de concerto). Villa-Lobos tornou-se amigo de Zé do Cavaquinho, rapaz muito hábil no violão, grande conhecedor da música popular, figura altamente conceituada entre os “chorões” cariocas. Em sua companhia, o compositor integrou-se ao grupo de seresteiros do “Cavaquinho de Ouro”. Aos dezesseis anos, embora continuasse muito afeiçoado à mãe, Villa-Lobos mudou-se para a casa de tia Zizinha, boa pianista que lhe dava inteira liberdade para frequentar os “capadócios” e tocar em suas pequenas orquestras. A amizade com Zé do Cavaquinho foi duradoura – anos mais tarde, o “chorão” seria funcionário do Conservatório de Canto Orfeônico, organizado e dirigido pelo compositor.

 

O violão foi o instrumento “pessoal” de Villa-Lobos, no qual gostava de improvisar livremente, em longas confidências musicais. A ele dedicou sua primeira composição, a Mazurca em Ré maior, escrita aos doze anos (1899). A Suíte popular brasileira (1908-1912), uma de suas primeiras obras importantes, compreende cinco danças (mazurca-choro, scotisch-choro, valsa, gavota, chorinho) e demonstra a intimidade do compositor com as manifestações musicais cariocas. O violão foi eleito ainda para abrir a série dos Choros, no começo da década de 1920.

 

Villa-Lobos tinha uma técnica violonística muito pessoal, cujas imperfeições justificavam-se pelo estudo irregular, mas também pela ânsia de explorar novos recursos expressivos do instrumento. Quando improvisou para Andrés Segovia, em Paris, na década de 1920, o célebre virtuose alarmou-se, temendo que o músico brasileiro quebrasse seu precioso violão. Mais tarde, o espanto tornou-se admiração, pois muitas das novidades no âmbito harmônico, rítmico e tímbrico, que hoje constituem o grande legado de Villa-Lobos para a literatura violonística, nasceram dessas improvisações. Sob tal aspecto, os pontos culminantes são os Doze estudos (1929) e os Cinco prelúdios (1940). Nessas peças, Villa-Lobos soube, com genial senso de equilíbrio, explorar os recursos idiomáticos do instrumento, unindo a originalidade formal à intensidade emotiva. São peças que se integraram, definitivamente, ao repertório de todos os grandes violonistas; exigem do executante grande virtuosidade, mas revelam ao ouvinte belezas musicais muito peculiares ao instrumento.

 

Em 1951, Villa-Lobos escreveu, atendendo a insistente pedido de Andrés Segovia, uma Fantasia concertante. O compositor preocupou-se em conseguir um perfeito equilíbrio sonoro de orquestração, tendo em vista o timbre peculiar do instrumento solista. Em 1955, por ocasião da temporada que Villa-Lobos realizou nos Estados Unidos, regendo suas próprias obras, Segovia assistiu, em Filadélfia, ao ensaio do Concerto para harpa, dedicado a Nicanor Zabaleta. Fascinado pela cadenza desse concerto, o violonista espanhol pediu ao amigo uma cadência para sua Fantasia. Villa-Lobos escreveu-a em Nova York e, acrescida de sua belíssima cadenza, a Fantasia concertante transformou-se no Concerto para violão.

 

O concerto tem três movimentos. No primeiro, Allegro preciso, um tema enérgico alterna-se na orquestra e no violão. Numa segunda parte, mais lenta, aparece novo episódio evocativo das canções populares do nordeste brasileiro. No Andantino e Andante, após curta introdução da orquestra (em escalas por movimentos contrários), aparece o tema principal. No Andante, novo episódio apresenta-se, antes que o violão exponha sua expressiva melodia. O Allegro non troppo final tem um ritmo sincopado e explora virtuosisticamente o instrumento solista, sem comprometer, entretanto, a lógica formal que domina todo o concerto.

 

O Concerto para violão teve sua primeira audição a 6 de fevereiro de 1956, com Andrés Segovia como solista e a Houston Symphony Orchestra regida por Villa-Lobos.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Doutor em Letras, professor de Música da UEMG, autor do livro Músico, doce músico

anterior próximo