Concerto para violino em Ré maior, op. 77

Johannes Brahms

(1878)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, tímpanos, cordas.

 

Os movimentos revolucionários de 1848, que culminaram em transformações políticas na Europa, fizeram exilar-se em Hamburgo, cidade em que nascera e ainda residia Johannes Brahms, inúmeros cidadãos húngaros. Dentre estes, o violinista Eduard Reményi, que logo se tornou amigo do jovem pianista e compositor hamburguês, e com quem viria a formar um duo. Em 1853, uma série de recitais desse duo possibilitou a Brahms sair dos limites de sua cidade natal, conhecer outros centros culturais e ter contato com personalidades importantes do meio musical. Foi nesse mesmo ano, por exemplo, que Brahms visitou Franz Liszt no castelo de Altenburgo, onde residia. Poucos meses depois, o jovem músico conheceria Robert e Clara Schumann, cujo contato e amizade foram decisivos para a sua carreira e para o seu trabalho criador. Foi no mesmo ano, ainda, que conheceu em Hannover o já célebre violinista Joseph Joachim, com quem também criou fortes laços de amizade.

 

Não é exagerado dizer que, depois dos Schumann, tenha sido de Joachim uma das principais ascendências sobre o tímido jovem de origem humilde que se aventurava corajosamente pelo efervescente mundo musical do Romantismo Alemão. De fato, Joachim cumpriu muitas vezes o papel de consultor de Brahms em assuntos ligados a certos aspectos técnicos do violino e da linguagem violinística. Muitos documentos atestam esse intercâmbio de opiniões entre os dois musicistas: cartas, bilhetes, anotações. Brahms, sendo pianista, se via sempre preocupado com as viabilidades técnicas daquilo que compunha para um instrumento que não fosse o seu. Talvez essa tenha sido uma forte razão (ainda que não a única) para não empenhar-se senão tardiamente no repertório sinfônico. Assim, não é de se estranhar que Brahms tenha recorrido a Joachim, assim que terminou um primeiro esboço do concerto para violino em Ré maior. Brahms pediu a Joachim que lhe desse sua opinião sobre a parte do solista, ao que Joachim respondeu laconicamente ser “violinisticamente muito original”, mas que esperava ver a peça inteira antes de emitir qualquer juízo mais consistente.

 

Brahms se via, naquela época, constrangido pelo modelo beethoveniano, e era ainda relativamente temeroso à ideia de dedicar-se ao repertório sinfônico, embora já tivesse, então, composto sua primeira sinfonia.

 

O concerto para violino, concebido no verão de 1878, no vilarejo austríaco de Pörtschach am Wörthersee (onde Brahms também compôs a primeira sonata para violino e a segunda sinfonia), foi dedicado a Joachim. A estreia se deu um ano mais tarde, em Leipzig, tendo Brahms como regente e Joachim como solista.

 

Nessa récita, Joachim interpretou o concerto de Beethoven no início do programa e o concerto de Brahms ao final. Com isso Joachim não quis pôr à prova a maestria criativa de Brahms, mas, provavelmente, contrapor duas leituras muito distintas da linguagem violinística, apesar de as duas obras guardarem certas marcantes similaridades entre si (para dizer pouco, basta observar o tratamento dado aos tímpanos e a coincidência do tom – Ré maior – em ambas). Joachim interpretou, no concerto de Brahms, uma cadência de sua própria autoria – que até hoje costuma ser a preferida –, o que denota profundo respeito mútuo dos dois musicistas. No entanto, entre a estreia (em primeiro de janeiro) e a sua publicação, ao final do mesmo ano, várias modificações foram feitas na partitura.

 

As primeiras críticas não foram favoráveis: o violinista e compositor polonês Henryk Wieniawski considerou o Concerto “intocável”, e o espanhol Pablo de Sarasate, por uma idiossincrasia pessoal relacionada à presença do oboé no adágio, recusou-se a tocá-lo. Hans von Bülow o considerou não uma obra para violino, mas “contra o violino”. O violinista polonês Bronislaw Huberman (bem mais tarde) acresceu: trata-se de um concerto para violino e contra a orquestra.

 

Na verdade, tais críticas advinham do fato de que o concerto para violino de Brahms não trata o solista como uma parte em especial destaque. A despeito das dificuldades técnicas (e ainda hoje o Concerto é uma das obras mais temidas do repertório violinístico), Brahms concebe o violino solista como parte integrante do ambiente sinfônico, em parte como consequência da seriedade com que sempre considerou a herança sinfônica de Beethoven (e é de se notar que são da mesma safra deste concerto a primeira e a segunda sinfonias, respectivamente de 1876 e 1877, a Abertura Trágica e o segundo concerto para piano, ambos de 1880, e a terceira sinfonia, de 1883).

 

Assumindo a estrutura clássica do concerto, aos moldes vienenses, em três movimentos, não é exatamente pelo tratamento dado ao solista que o concerto para violino de Brahms é importante, mas, antes, por revelar uma mentalidade contraditoriamente romântica: se Brahms tem uma alma dionisíaca, conserva uma mente apolínea, e sua inventividade melódica supera quaisquer tendências reacionárias que eventualmente lhe são imputadas.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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