Concerto para violino em ré menor, op. 47

Jean SIBELIUS

(1902/1904)

Instrumentação: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos e cordas.

 

Sibelius teve sólida formação musical no Instituto de Música de Helsinque. Paralelamente estudou Direito, antes de aperfeiçoar-se em Berlim e Viena. Voltando à capital de seu país, pensou em seguir a carreira de violinista, participando da primeira orquestra profissional que então se formava na Finlândia. Em 1896, tornou-se professor de violino e de teoria musical na Universidade de Helsinque. Vivendo um conturbado período histórico marcado pela resistência à ocupação russa e pela independência de 1917, Sibelius rapidamente foi reconhecido como o mais importante e influente músico do nacionalismo finlandês. Sua obra adquiriu o status de símbolo patriótico e o Estado lhe ofereceu uma pequena pensão vitalícia para que pudesse dedicar mais tempo à composição. Curiosamente, o compositor vinha de um ambiente familiar marcado pela cultura sueca e, embora fosse apaixonado pelas tradições literárias e pelos costumes finlandeses, nunca se considerou um estudioso do folclore, ao contrário de outros nacionalistas. Sua música é fruto, sobretudo, de uma necessidade muito pessoal, íntima, de busca de crescimento espiritual. Espontaneamente, entretanto, soube expressar a essência de sua terra – o reconhecimento internacional de sua obra, principalmente nos países anglo-saxônicos, tornou-a motivo de orgulho para a Finlândia. A vasta produção de Sibelius inclui vários poemas sinfônicos, numerosas peças de música para cena, sete sinfonias (sem contar a Kullervo-sinfonia, obra de juventude), o Concerto para violino e orquestra, além de música coral e peças menores para instrumentos solistas.

 

Seus poemas sinfônicos possuem caráter rapsódico e evocam antigas sagas; contemplando romanticamente a sombria paisagem finlandesa, tornaram-se populares, principalmente o Cisne de Tuonela, Tapiola e Finlândia. As sete sinfonias (com destaque para a Segunda, a Sexta e a Sétima) são verdadeiros afrescos musicais de natureza épica. Oferecem particular interesse aos analistas, pois se afastam das formas preestabelecidas. A sólida estruturação dessas obras modifica a forma sonata clássica pela utilização de um princípio de “crescimento temático” que confere a cada sinfonia uma organização própria e diferenciada.

 

Famoso, Sibelius realizou turnês regulares para fora de seu país e, em 1914, lecionou no Conservatório de Boston, porém manteve-se um artista solitário. Músico de rigorosa formação acadêmica e de expressão anacronicamente romântica, manifestou intransigente severidade para com os artistas de seu tempo, apesar de admirar Debussy e Bartók. Ele próprio avaliou seu descompasso com as preocupações musicais contemporâneas; em 1929, sentindo que nada de novo tinha a dizer, Sibelius retirou-se para sua residência em Järvenpää, onde permaneceu obstinadamente silencioso pelos seus últimos vinte e sete anos.

 

Nessa calma e solitária região florestal, a alguns quilômetros ao norte de Helsinque, escrevera grande parte de sua obra. O Concerto para violino e orquestra foi composto em 1903, justamente quando Sibelius se instalou em Järvenpää. A parte solista da versão original apresentava dificuldades técnicas que o próprio compositor, como violinista, reconheceu acima de suas possibilidades. Para a versão de 1905 Sibelius fez as necessárias revisões, e o concerto, desde sua estreia em Berlim (com o violinista Karl Halir sob a regência de Richard Strauss), incorporou-se definitivamente ao repertório violinístico. Exige do solista técnica impecável e um virtuosismo que só se torna convincente quando aliado a uma sobriedade expressiva devidamente calculada. Escrito nos três movimentos clássicos, o Concerto para violino e orquestra apresenta forma muito livre que preserva seu caráter rapsódico.

 

O complexo e elaborado Allegro moderato inicial comporta três temas. O primeiro, longo e incisivo, após uma breve introdução orquestral introduz o violino sobre um trêmulo das cordas em surdina. Inesperadamente, o solista apresenta uma pequena e brilhante cadência. Com o enunciado do segundo tema pelos violoncelos e fagotes, o violino torna-se mais subordinado à orquestra. Mas assume límpidas linhas melódicas em seu registro agudo para apresentar o terceiro tema. No desenvolvimento, solista e orquestra não retomam respectivamente os mesmos temas e, inusitadamente, a cadenza do violino, construída sobre o tema inicial, desloca-se do final para o centro dessa primeira seção. Na reexposição dos temas, a escrita violinística ganha um caráter improvisatório.

 

O lírico segundo movimento, Adagio di molto, apresenta romântica inspiração mediterrânea (reflexo de uma viagem de Sibelius à Itália). O violino tece linhas fantasiosas sobre a orquestra, desenhando uma admirável melodia, que retornará para concluir o movimento, após o agitado diálogo central do solista com a orquestra.

 

O Finale – Allegro ma non tanto é uma espécie de rondó descrito pelo compositor como uma dança macabra. Com um ostinato surdamente martelado, a orquestra sustenta a maior parte do movimento, dando ao violino a chance de se exibir com virtuosidade. A coda une os dois parceiros em um fortissimo final.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado.

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