Duas peças para violoncelo, op. 20

Alexander GLAZUNOV

(1888)

Alexander Glazunov foi um dos mais festejados compositores russos de seu tempo. Sua mãe, Elena Pavlovna, era uma excelente pianista amadora, enquanto o pai, Konstantin, tocava violino e descendia da mais tradicional família de editores de São Petersburgo. Nesse lar afortunado, Glazunov pôde desfrutar de vantagens excepcionais, como ter o talento musical desenvolvido e apoiado por eminentes compositores, tais como Mily Balakirev e Nikolai Rimsky-Korsakov. O primeiro grande sucesso de Glazunov foi sua Sinfonia nº 1, escrita em 1881, quando tinha dezesseis anos de idade. A obra, estreada no ano seguinte, causou sensação em São Petersburgo e chamou a atenção do editor musical Belyayev, que a partir de então promoveu amplamente a música de Glazunov. Em 1884, Belyayev levou Glazunov em uma longa viagem, visitando diversos países entre Marrocos e Espanha, a fim de divulgar sua obra. Em Weimar, Belyayev realizou a estreia alemã da Primeira Sinfonia de Glazunov: “o mundo falará deste compositor”, disse Franz Liszt na ocasião.

 

Após o êxito da Primeira Sinfonia, Glazunov obteve reconhecimento pela composição de seu primeiro Quarteto de cordas: “o talento de Glazunov é inegável”, reconheceu Tchaikovsky ao examinar a partitura dessa obra, escrita pelo jovem de dezessete anos. O Quarteto de Glazunov foi estreado por grandes nomes, entre eles o violinista Leopold Auer – ao qual dedicaria seu Concerto para violino, uma de suas composições mais populares – e o violoncelista Alexander Wierzbilowicz, músico do czar e professor no Conservatório de São Petersburgo. Em gratidão a Wierzbilowicz, Glazunov compôs Duas peças para violoncelo e orquestra, op. 20: Mélodie, de 1887, e Sérénade espagnole, de 1888, assim como Chant du Ménestrel, de 1901. Tais obras são executadas tanto na versão para violoncelo e orquestra quanto na redução para violoncelo e piano, realizada por Glazunov, e denotam o domínio do compositor sobre a escrita para o instrumento, assim como a equilibrada orquestração e a clareza contrapontística.

 

Mélodie é uma peça curta, encantadora e delicadamente orquestrada. Lírica e calma, possui um toque da melancolia russa, prenunciando Rachmaninov. Glazunov, além de suas ligações com os compositores nacionalistas russos, foi influenciado pela música folclórica espanhola, húngara e asiática. Enquanto a primeira peça, Mélodie, apresenta colorações modais e um idioma mais cosmopolita, a segunda e breve Sérénade espagnole evoca lembranças da visita de Glazunov à Espanha. Na orquestração, o compositor utiliza a harpa e os pizzicatti das cordas para efeitos da guitarra flamenca. No trecho central da Sérénade surge uma nova e marcante melodia, cuja linha e acompanhamento assemelham-se à canção popular andaluza El paño – a mesma utilizada por Manuel de Falla décadas mais tarde em seu ciclo de canções. Sérénade espagnole, posteriormente, recebeu letra de Mikhail Ulitsky e uma adaptação da parte solo para violino, realizada pelo célebre violinista austríaco Fritz Kreisler, versão tão famosa quanto a original.

 

Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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