O Aprendiz de Feiticeiro

Paul Dukas

Paul Dukas foi (como seu amigo Debussy) aluno de Dubois e Guiraud, no Conservatório de Paris, instituição onde depois se notabilizou como professor de composição. Formou uma plêiade de compositores que, mesmo divididos em diferentes facções estéticas, permaneceram todos fiéis admiradores do grande mestre. Homem de excepcional cultura musical, literária e filosófica, Dukas foi também um crítico esclarecido, cuja obra vultosa, publicada em várias e influentes revistas, ainda se conserva atual.

 

Como compositor, Dukas deixou-nos poucos números de opus, frutos raros de prolongada meditação. Uma autocrítica impiedosa, quase paralisante, levou-o a destruir a maior parte de suas composições e explica a brevidade de seu catálogo. Entretanto, a solidez formal, a clareza de orquestração e a lógica cartesiana que dominam suas obras as tornam profundamente representativas do espírito francês.

 

Decidido a compor um poema sinfônico, Dukas escolheu, como programa literário, a balada de Goethe Der Zauberlehrling, escrita em forma de monólogo: — “Enfim o velho mestre se ausentou! Agora vou eu também conduzir os Espíritos!”. O aprendiz pronuncia a fórmula mágica, ordenando à vassoura que vá ao rio buscar água e lave a casa. Mas ele esqueceu a palavra para interromper o trabalho da vassoura e a água ameaça fazer submergir a casa. Com a volta do Mestre Feiticeiro, tudo termina bem. Composta em 1897, a obra ganhou o título de L’Apprenti sorcier – Scherzo Symphonique d’après une ballade de Goethe.

 

O texto da balada aparece no alto da partitura de Dukas. Entretanto, o músico não pretendeu acompanhar detalhadamente a ação, preocupando-se principalmente em fixar o aspecto bizarro da lenda. A obra mantém-se firmemente estruturada por uma lógica puramente musical, de surpreendente inventividade melódica e deslumbrante orquestração. O subtítulo Scherzo refere-se apenas ao caráter da peça, pois sua forma é a de uma Sonata livre, construída com quatro temas (da vassoura, dos sortilégios, do aprendiz e do encantamento). O Scherzo é emoldurado por uma Introdução e uma Coda.

 

A lenta Introdução apresenta fragmentos dos temas e evoca o ambiente misterioso do laboratório de feitiçaria. É interrompida por um golpe breve dos tímpanos sobre um trêmulo da orquestra: — Silêncio!

 

O Scherzo, em movimento rápido, inicia-se com a Exposição dos temas: o “motivo da vassoura encantada” aparece no uníssono de três fagotes. A seguir, com as cordas agudas evocando a fluidez da água, surge o “motivo dos sortilégios”. O terceiro tema, “motivo do aprendiz”, traduz a alegria e o entusiasmo do imprudente noviço. O Desenvolvimento se faz em progressão ascendente – o motivo dos sortilégios é usado como fundo sonoro sobre o qual o compositor conduz os temas da vassoura e do aprendiz até atingir a intensidade máxima em quatro acordes (fortissimo de toda a orquestra). A Reexposição é bastante descritiva: ouve-se o golpe do machado que corta a vassoura em duas e, de um silêncio terrível, surge o tema da vassoura, desdobrado nas madeiras graves da orquestra. A progressão ascendente anterior torna-se agora implacável e o tema do aprendiz parece nela submergir inevitavelmente. Surge então, nos metais, o “motivo de encantamento” do Mestre Feiticeiro, que se impõe totalmente e se expande, na Coda, para restabelecer a paz.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, Professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado: Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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