Antonín DVORÁK
O jovem Dvorák trabalhou como violista, na orquestra de Praga, sob a regência do compositor Smetana, o grande nacionalista eslavo, de quem herdou o amor às tradições musicais de seu país. Em Viena, com uma bolsa de estudos do governo austríaco, tornou-se amigo de Brahms, cultivando grande apego às formas germânicas tradicionais. Seguindo essas duas grandes influências, a arte de Dvorák realiza uma síntese dos procedimentos composicionais clássicos com elementos característicos da música de seu país. Entretanto, o compositor raramente usou melodias camponesas já existentes, preferindo criar seus próprios temas. E Dvorák absorveu tão profundamente em seu próprio pensamento musical as qualidades singulares da música nativa tcheca que, apesar de sentidas com intensidade em sua obra, nem sempre é possível isolá-las e identificá-las.
Filho de um humilde artesão da aldeia de Nelahozeves, na Boêmia, Dvorák tornou-se doutor honoris causa pela Universidade de Cambridge, foi professor nos conservatórios de Praga e Nova York (1892 – 1895) e apresentou-se na Rússia, por indicação de Tchaikovsky. Sua vasta produção inclui nove sinfonias, óperas, peças para piano e para diversas formações camerísticas, grandes peças corais, além de três concertos — para piano, violino e violoncelo.
O Concerto para violoncelo foi composto por encomenda do famoso violoncelista Hannus Wihan, durante o inverno de 1894-1895. É a última obra americana de Dvorák. Retornando logo depois à Tchecoslováquia, o compositor ficou muito abalado pela notícia da morte de sua cunhada, que fora seu primeiro amor e por quem tinha profunda afeição. Para homenageá-la, fez algumas alterações em sua partitura, acrescentando uma citação de um de seus Cantos, op. 82, justamente a canção predileta de Joséphine Kounicova. Nessa versão final, tão convincente, Dvorák aboliu a cadência que Hannus Wihan compusera para o concerto. A estreia aconteceu em Londres, em 19 de março de 1896, com o violoncelista Leo Stern (mais tarde, o próprio Wihan tornou-se um célebre intérprete da obra).
A partitura segue a forma clássica de concerto, em três movimentos. Além dos tutti poderosos, são particularmente fascinantes os diálogos do solista com timbres isolados da orquestra (principalmente os instrumentos de sopro).
No Allegro inicial, o tema é apresentado pelo clarinete, já no primeiro compasso. Reapresentado por três vezes sucessivas, culmina em poderosa passagem instrumental com toda a orquestra, quando atinge sua plena dimensão. Em contraste com esse tema vigoroso, o segundo motivo, extremamente lírico, é anunciado em pianíssimo pelas trompas.
O movimento central, Adagio ma non troppo, se inicia com uma terna melodia dividida entre as madeiras e o violoncelo. Mas a orquestra logo intervém com a canção composta por Dvorák em homenagem a sua cunhada. A melodia do início retorna nas trompas (sobre pizzicatti das cordas) e é ampliada pelo violoncelo (Quase cadenza). O clima é de serena religiosidade.
O Finale (Allegro moderato) apresenta um ritmo de marcha, nas cordas graves. O tema principal é anunciado pelas trompas e retorna várias vezes, entremeado com outros motivos, incluindo os temas dos dois movimentos anteriores. Na coda, em pianíssimo, a canção Possa minha alma reaparece no violino e nas madeiras. Um rápido crescendo conduz a um final cintilante que conclui a obra com poderoso brilho orquestral.
Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras pela PUC Minas, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais, autor do livro Músico, doce músico.