Erosão, “A origem do rio Amazonas”

Heitor VILLA-LOBOS

(1950)

Instrumentação: 2 piccolos, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 4 trompetes, 4 trombones, tuba, tímpanos, percussão, harpa, celesta, piano, cordas.

 

“Há muitos anos, a lua era noiva do sol, que com ela queria se casar, mas, se isso acontecesse (…), destruir-se-ia o mundo. O amor ardente do sol queimaria o mundo e a lua, com suas lágrimas, inundaria toda a terra; por isso, não puderam se casar. A lua apagaria o fogo; o fogo evaporaria a água. Separaram-se, então, a lua para um lado e o sol para outro (…). A lua chorou todo o dia e toda a noite, e foi então que as lágrimas correram por cima da terra até o mar. O mar embraveceu e por isso não pôde a lua misturar as lágrimas com as águas do mar, que meio ano corre para cima, meio ano, para baixo. Foram as lágrimas da lua que deram origem ao nosso rio Amazonas”. Assim Barbosa Rodrigues (Poranduba Amazonense. RJ, Anais da Biblioteca Nacional. Vol. XIV p. 212) reconta a tradição indígena que motivou a composição de Erosão. Conta outra tradição que “os Andes elevaram-se do mar e uma grande massa d’água desceu para o país das amazonas, tudo destruindo e deixando em seu lugar um rendilhado de rios, igapós e igarapés, afluentes e subafluentes do majestoso Amazonas cuja força é tão grande que afasta por vários quilômetros a força do mar na sua foz. O estrondo do encontro desses gigantes foi chamado de ‘a pororoca’ pelos indígenas” (Kleide Ferreira do Amaral Pereira: Influências indígenas na obra de Villa-Lobos. Revista da Organização de Estudos Culturais em Contextos Internacionais. Vol. 22, 2006).

 

“Há muitos anos, a lua era noiva do sol, que com ela queria se casar, mas, se isso acontecesse (…), destruir-se-ia o mundo. O amor ardente do sol queimaria o mundo e a lua, com suas lágrimas, inundaria toda a terra; por isso, não puderam se casar. A lua apagaria o fogo; o fogo evaporaria a água. Separaram-se, então, a lua para um lado e o sol para outro (…). A lua chorou todo o dia e toda a noite, e foi então que as lágrimas correram por cima da terra até o mar. O mar embraveceu e por isso não pôde a lua misturar as lágrimas com as águas do mar, que meio ano corre para cima, meio ano, para baixo. Foram as lágrimas da lua que deram origem ao nosso rio Amazonas”. Assim Barbosa Rodrigues reconta a tradição indígena que motivou a composição de Erosão. Em outra tradição, citada por Kleide Ferreira do Amaral Pereira, “os Andes elevaram-se do mar e uma grande massa d’água desceu para o país das amazonas, tudo destruindo e deixando em seu lugar um rendilhado de rios, igapós e igarapés, afluentes e subafluentes do majestoso Amazonas cuja força é tão grande que afasta por vários quilômetros a força do mar na sua foz. O estrondo do encontro desses gigantes foi chamado de ‘a pororoca’ pelos indígenas”.

 

Motivação (ou, antes, mote) seria o termo mais adequado para definir a presença de elementos tradicionais indígenas na música de Villa-Lobos. Certas escalas, ritmos ou melodias de origem ameríndia só aparecem na obra do compositor como uma espécie de evocação afetiva, que açula a sua intuição criadora, e não como citação ou como material bruto para trabalhos de reelaboração. Papel mais importante, para ele, do que o do material musical, é talvez o das lendas e tradições orais. A Amazônia, para Villa-Lobos, é como uma pátria subjetiva. Assim, os índios e suas bagagens culturais ocupam um papel ambíguo em sua linguagem: não são estilizados ou romantizados como pelos nossos escritores e compositores do século XIX, mas tampouco se prestam a observações reverentes de trabalhos etnográficos.

 

Um lapso de cinco anos se abre desde a conclusão das Bachianas Brasileiras, em 1945, até a próxima composição sinfônica de Villa-Lobos, Erosão, poema sinfônico encomendado pela Orquestra de Louisville. Concluída em 1950, Erosão foi estreada em Louisville no ano seguinte, sob a regência de Robert Whitney.

 

A forma e o gênero, como quase tudo em Villa-Lobos, nunca se reduzem a esquemas preestabelecidos. Em boa parte das Cirandas, por exemplo, o que poderia ser observado como autêntica forma-canção (A-B-A), transfigura-se, sob o crivo de Villa-Lobos, em um processo de colagem, em que as citações de melodias do universo infantil aderem e se entrelaçam a um construto original, em que forma e conteúdo são uma coisa só.

 

Assim também em Erosão. O aspecto narrativo, característico do poema sinfônico, dissolve-se, aí, na exploração de materiais sonoros abstratos, em nada descritivos, abordados sob parâmetros então muito modernos, como densidade, volume, tessitura, tímbrica, as sobreposições melódicas e a própria rítmica, trabalhados como elementos de um discurso sonoro próprio. Com isso, e com certas construções melódicas angulosas, Villa-Lobos consegue afastar-se até mesmo da tonalidade (da qual nunca conseguiu de todo se desvencilhar), reinventando-se a si próprio e definindo um caminho autônomo para a Música Brasileira.

 

A forma e o gênero, como quase tudo em Villa-Lobos, nunca se reduzem a esquemas preestabelecidos. Em boa parte das Cirandas, por exemplo, uma forma-canção transfigura-se em um processo de colagem, em que as citações de melodias do universo infantil aderem e se entrelaçam a um construto original, em que forma e conteúdo são uma coisa só. Em Erosão, o aspecto narrativo, característico do poema sinfônico, dissolve-se, aí, na exploração de materiais sonoros abstratos, em nada descritivos, abordados sob parâmetros então muito modernos, como densidade, volume, tessitura, tímbrica, as sobreposições melódicas e a própria rítmica, trabalhados como elementos de um discurso sonoro próprio. Com isso, e com certas construções melódicas angulosas, Villa-Lobos consegue afastar-se até mesmo da tonalidade (da qual nunca conseguiu de todo se desvencilhar), reinventando-se a si próprio e definindo um caminho autônomo para a Música Brasileira.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística.

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