Hymne

Olivier MESSIAEN

(1932 | Reconstruída em 1946)

Instrumentação: 3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 3 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tímpanos, percussão, cordas.

 

Um compositor católico. Não no sentido político ou religioso do termo, mas no sentido radical: “universal”. Se Messiaen define a sua música como “teológica”, explica ele que é porque ela estabelece uma relação com Deus. Seu misticismo provocou suspeitas, é certo, mas ele mesmo nunca se arvorou em místico, apesar de intensamente crente e fervorosamente devoto. Na sua música, a sua relação com Deus se dá por uma relação sensual e sensorial com o mundo… Desde o início.

 

Quando aluno do Conservatório de Paris, onde ensinavam Dupré, Gallon e Dukas, entre 1919 e 1930, estuda paralelamente o cantochão, a rítmica indiana, a música em quartos de tom, o canto dos passarinhos, as Sagradas Escrituras, a poesia surrealista. Em 1931, é nomeado organista da Igreja da Santíssima Trindade, em Paris. Ali, suas improvisações e suas primeiras composições para órgão atraem a atenção do mundo musical.

 

Filho de um professor de Letras, tradutor de Shakespeare, e de uma poeta simbolista, Messiaen cresce em um ambiente intelectual, determinante de sua cultura eclética. Prisioneiro de guerra entre 1940 e 1942, compõe e executa, no campo de concentração, sua obra mais famosa: o Quarteto para o Fim do Tempo. Professor do Conservatório de Paris desde 1942, figuram entre seus alunos nomes como Boulez, Xenakis e Stockhausen.

 

Católico, pois, no sentido radical. O ecletismo de sua cultura impede esse professor exemplar de se instalar no conforto de qualquer academismo – Messiaen dizia que se nutria de tudo: o folclore, o cantochão, Bach, a música russa, Debussy, Bartók, o canto dos pássaros, os ruídos da natureza. Tudo isso lhe proporciona material que ele sintetiza em uma música de efeito inaudito e de inesgotável riqueza. Em um texto datado de 1944 (Técnicas da Minha Linguagem Musical), Messiaen define essa síntese como uma ampliação ou amplificação de certas noções antigas e a adoção de regras universais, princípios unificadores. O primeiro aspecto garante o vínculo com a tradição. O segundo, garante a possibilidade de continuar lidando, no processo de criação musical, com esquemas melódicos, harmônicos e rítmicos.

 

Em 1932, Messiaen compõe uma obra intitulada Hymne au Saint-Sacrement. A partitura dessa obra perdeu-se durante a guerra, mas Messiaen a reconstituiu em 1946, encurtando-lhe o título: Hymne (Hino). Segundo o autor, “essa obra se caracteriza sobretudo por seus efeitos de cor”. Cores de acordes, cores de timbres, cores melódicas, contrastes… A música de Messiaen fala por ela só: universal e moderna. Por isso mesmo, sólida. O Hymne de Messiaen, estreado em Paris no ano de 1933, pela Orcherstre des Concerts Straram, sob a regência de Walther Straram, já revela a grande testemunha de nossa era que formará toda uma geração de compositores e que norteará toda uma corrente de pensamento musical.

 

Moacyr Laterza Filho
Pianista e cravista, Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Fundação de Educação Artística

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