Il tramonto

Ottorino RESPIGHI

(1914)

Instrumentação: cordas.

 

Respighi pertence à chamada Geração de Oitenta (1880) que, na Itália dominada por longa tradição operística, lutou pelo renascimento de uma música instrumental vigorosa. Teve privilegiada formação cosmopolita. Como violista da Orquestra da Ópera de São Petersburgo, estudou orquestração com Rimski-Korsakov. Em Berlim, foi discípulo do conservador Max Bruch; entretanto, soube enriquecer sua paleta orquestral em contato com os aspectos inovadores da obra de Richard Strauss e Debussy.

 

O sucesso de Respighi como compositor se apoia, principalmente, em sua orquestração moderna, inventiva e atraente, consagrada na trilogia dos poemas sinfônicos dedicados a diferentes aspectos de Roma – suas Fontes, seus Pinheiros e suas Festas. Por outro lado, Respighi se identificou com o passado musical de seu país – usou os modos gregorianos em composições próprias e transcreveu obras de velhos mestres.

 

Quanto à música vocal, o músico enfrentou, com o experimentalismo de suas óperas, o domínio do Verismo nos palcos italianos. Nelas, os aspectos teatrais ficam em plano secundário, diante da eloquente orquestração. A melhor produção vocal de Respighi, de especial suavidade e encanto, situa-se no terreno intimista da canção de câmara e do poemetto lirico (denominação do próprio compositor para suas cantatas com acompanhamento orquestral sobre poemas de Percy Shelley e Gabriele d‘ Annunzio, seus poetas favoritos).

 

O interesse do compositor pelas vozes femininas cobre um período de aproximadamente trinta anos, até o último trabalho concluído, a reconstrução da cantata Didone, de Benedetto Marcello. Quando jovem, Respighi trabalhara como pianista acompanhador na escola de canto de Etelka Gardini-Gerster. Escreveu muito para Chiarina Fino Savio, inspirado pelo requinte da arte vocal dessa amiga. Mais tarde, esse privilégio estendeu-se para Elsa Olivieri, sua esposa, cuja tessitura vocal era similar à de Chiarina.

 

Il tramonto estreou na Accademia di Santa Cecilia, em Roma, tendo Chiarina Savio – a quem a obra fora dedicada – como solista. Composta originalmente para quarteto de cordas, a obra será tocada nesta noite em versão para orquestra de cordas.

 

Os versos do inglês Shelley (traduzidos por Roberto Ascoli) relatam o amor e a morte de dois jovens apaixonados. A música, emotiva e enigmática, se adapta maravilhosamente ao poema que, do ponto de vista narrativo, divide-se em três partes:

 

Os amantes passeiam em um bosque e contemplam o crepúsculo. O jovem sussurra: “não é estranho, Isabel? Eu nunca vi o nascer do sol. Caminhemos aqui, amanhã bem cedo, e você o verá comigo“.

 

Mas, ao amanhecer, Isabel vê ao seu lado o corpo inerte do amante. Ela gostaria de morrer também… mas tem, aos seus cuidados, um pai idoso. Apenas sobrevive – por pouco tempo – à sua tristeza, com paciente resignação: “seus olhos eram negros e sem luz, de pestanas desgastadas pelas lágrimas“.

 

Diante do túmulo de Isabel, o poeta medita: “como o dela, o meu epitáfio será – Paz! – Essa foi a única súplica que fez. “

 

Nesses últimos versos, a música atinge grande dramaticidade, culminando no expressivo silêncio que antecede a palavra Paz.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras, professor na UEMG, autor dos livros Músico, doce músico e O grão perfumado – Mário de Andrade e a arte do inacabado. Apresenta o programa semanal Recitais Brasileiros, pela Rádio Inconfidência.

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