Imagens para orquestra nº 3: Rondes de Printemps

Claude DEBUSSY

(1905/1909)

Instrumentação: Piccolo, 3 flautas, 2 oboés, corne inglês, 3 clarinetes, 3 fagotes, contrafagote, 4 trompas, tímpanos, percussão, 2 harpas, celesta, cordas.

 

“Vive le Mai, bien venu soit le Mai / Avec son gonfalon sauvage (La Maggiata)”. A saudação ao maio selvagem é a epígrafe da partitura de Rondes de Printemps. A inscrição, extraída de um texto do século XV do poeta florentino Angelo Poliziano, alude à celebração da primavera, na qual irrompem o amor e a vida. No poema, em maio a paixão envolve e arrebata jovens enamorados e faz arderem até os pássaros e as feras, em um cortejo conduzido por forças incontroláveis, na natureza e nos corações.

 

A nota de programa, redigida por Charles Malherbe por ocasião da estreia da obra, em 1910, sob a regência do compositor, ressalta a riqueza da paleta orquestral e coloca em relevo as correspondências entre impressões visuais e sonoras, como se o público pudesse visualizar o que ouvia e, nas mãos do compositor, a pena se transformasse em pincel. O próprio Debussy estimulava essas correspondências, mas com uma nuance discursiva que afastava a ideia de mera pintura sonora.

 

Para o compositor, o “som do mar, a curva do horizonte, o vento nas folhas (…) causam impressões múltiplas que emergem de nós e se expressam em linguagem musical”; ou ainda: a música tem o poder de evocar a misteriosa poesia da noite, embora não se limite “à reprodução mais ou menos exata da natureza”, mas chegue “às misteriosas correspondências entre a Natureza e a Imaginação”. Tais reflexões encontram eco nas palavras de Kandinsky – para quem Debussy “nunca utiliza uma nota totalmente material, característica da música programática, mas limita-se ao valor interior de sua impressão” – e na acuidade do pensamento do pintor – ao afirmar que, “apesar das suas afinidades com os impressionistas”, o compositor “encontra-se de tal forma voltado para o conteúdo interior que nas suas obras encontramos a alma tortuosa de nosso tempo, vibrante de paixões e de impulsos nervosos”.

 

Debussy é também, em boa medida, um músico de nosso tempo. Sua linguagem musical, marcada pela essencialidade da invenção tímbrica, e o inesgotável de suas descobertas melódicas e harmônicas estão entre os fatores que mantêm vivo, atual, o diálogo com sua obra. Rondes de Printemps é a peça que encerra Images, tríptico do qual também fazem parte Gigues e Ibéria. Após um início algo nostálgico em Gigues, e da evocação de uma Espanha imaginária e misteriosa em Ibéria, Rondes de Printemps é uma espécie de convite à dança – irresistível, com sua orquestração luminosa, suas texturas cheias de detalhes em perspectiva, sua vivacidade e inquietação rítmica. Convite ao movimento, à transformação, à celebração do amor e da vida.

 

Oiliam Lanna
Compositor, professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais.

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