Concerto para orquestra

Witold LUTOSLAWSKI

(1954)

Instrumentação: 2 piccolos, flauta, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetes, clarone, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 4 trompetes, 4 trombones, tuba, tímpanos, percussão, 2 harpas, celesta, piano, cordas.

 

Lutoslawski estudou Piano e Composição com Maliszewski (discípulo de Rimsky-Korsakov) e, paralelamente, frequentou disciplinas de Matemática da Universidade de Varsóvia. Concluídos seus cursos e o serviço militar obrigatório (1938), pretendia fixar-se em Paris para estudar com a renomada pedagoga Nadia Boulanger (1887-1979). Mas circunstâncias históricas do início da guerra contrariaram seus projetos. Aprisionado pelos alemães, Lutoslawski conseguiu fugir e passou quatro anos trabalhando como pianista em bares e cafés na capital polonesa. Por essa época, formou com o amigo e também compositor Andrezj Panufnik um duo de piano. A transcrição de peças para essa formação possibilitou-lhes o estudo eficiente de seus compositores prediletos. Lutoslawski admirava de maneira especial o polonês Karol Szymanowski (1882-1937) – “o contemporâneo que me abriu as portas do mundo misterioso da música do século XX”.

 

A seguir dedicou-se aos impressionistas franceses e ao estudo das obras de Bartók, Stravinsky, Roussel e Prokofiev (1891-1953). Sob a influência desses compositores, escreveu as Variações sobre um tema de Paganini para dois pianos, que se orientam para a politonalidade; a Primeira Sinfonia, com colorido folclórico desenvolvido à maneira de Bartók; e a Abertura para cordas, destinada a uma formação reduzida, como o Concerto em ré de Stravinsky, de confecção neoclássica. O neoclassicismo e o folclorismo presentes nessas primeiras grandes obras foram atributos circunstanciais para Lutoslawski, pois a guerra, a ocupação da Polônia e a rigidez do regime político – à época da reconstrução do país – limitaram seus horizontes. Entretanto, avesso a todos os tabus, o compositor pregou sempre o direito a uma abertura musical mais ampla. Quando dias mais propícios surgiram, Lutoslawski estava atento às tendências contemporâneas. Sua evolução foi lenta – mas radical, constante e coerente. A cada nova obra, Lutoslawski ampliaria suas possibilidades de expressão, adotando diferentes princípios composicionais, desde o serialismo até a música aleatória presente nos Jogos venezianos (1961) e no Livro para orquestra (1968). Suas obras, por mais diferenciadas que sejam em suas fisionomias particulares, apresentam impressionante concordância estética entre si. Cada peça realiza uma etapa fundamental na formação do compositor e, em certa medida, prenuncia a próxima, pois Lutoslawski sempre se mostrou consequente em suas pesquisas e jamais adotou novos procedimentos musicais de maneira precipitada ou por simples modismo. Multifacetada e coesa, sua obra tornou-se o traço de união entre a tradição da Polônia e a prestigiada escola da geração mais recente de seu país.

 

Nessa trajetória, o Concerto para orquestra (1954) culmina uma primeira fase marcada pelo neoclassicismo e pelo desenvolvimento sistemático do folclore. Compõe-se de três movimentos:

 

Na Intrada (Allegro maestoso), as cordas expõem o primeiro tema sobre o insistente martelar dos tímpanos. Passando dos violoncelos aos primeiros violinos, esse tema chega ao conjunto das madeiras. Um súbito pianíssimo antecede a segunda ideia temática, composta de dois elementos distintos – os leves staccati nas madeiras e o contracanto das trompas. Combinações instrumentais cada vez mais densas levam a tensão sonora até o paroxismo. No seu retorno, o primeiro tema se faz ouvir com a flauta, o clarinete e o violino solo. Todo o movimento tem caráter essencialmente melódico e o material temático popular é originário da região da Mazóvia.

 

O Capriccio notturno e arioso (Vivace) possui a forma de um scherzo com trio. O clima noturno se instala com o tema enunciado em surdina pelos violinos. Essa atmosfera murmurante adquire uma mobilidade extrema pela mudança permanente dos grupos instrumentais. Os trompetes em fortissimo introduzem o arioso central que contrasta com o capriccio. Seu tema apresenta-se nas trompas e todo esse trio aparenta simplicidade, com a nítida diferenciação dos planos sonoros. Para terminar o movimento, o capriccio retorna em forma reduzida.

 

O trecho mais longo e desenvolvido da obra é o final – Passacaglia, toccata, corale e finale (Andante con moto – Allegro giusto). O tema da passacaglia é dedilhado lentamente na harpa e nos pizzicatti do contrabaixo, até atingir maior vivacidade nos arpejos do piano. Serve de pretexto para doze variações cuja paleta orquestral atinge admirável variedade. A toccata é sustentada por um ostinato rítmico e vigoroso. Um diminuendo leva ao tema arcaizante do coral, exposto sucessivamente nas madeiras, nos metais e nas cordas divididas. Após um desenvolvimento, reaparece o tema da toccata preparando o impressionante clímax da obra – a reentrada triunfal do coral. E no finale, uma pequena coda (Presto) conclui o concerto com retumbantes fanfarras.

 

Paulo Sérgio Malheiros dos Santos
Pianista, Doutor em Letras pela PUC Minas, professor na Universidade do Estado de Minas Gerais, autor do livro Músico, doce músico.

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