Métaboles

Henri DUTILLEUX

Henri Dutilleux é hoje reconhecido como um dos mais importantes compositores da segunda metade do século XX. Espírito recluso e independente, seu reconhecimento ocorreu lentamente e isso se deve, principalmente, a sua recusa em participar de movimentos e grupos estéticos. Sua obra, impregnada da poesia e literatura francesas – especialmente Baudelaire e Proust –, é uma reflexão sobre o silêncio, o tempo e a memória. Segundo Dutilleux, “o fato de inventar música (que é uma necessidade, mas, sem dúvida, também uma utopia) tem ligação – para além do trabalho artesanal, se possível cotidiano – com uma forma de cerimônia, com algo quase sagrado, que encerra uma grande parte de mistério e magia.” Essas palavras revelam traços essenciais de seu temperamento: a recusa da banalidade, o perfeccionismo e um rigoroso senso de estrutura – o que explica, em certa medida, uma produção relativamente pequena. Como em Mahler e Bruckner, a orquestra desempenha um papel fundamental em seu pensamento, mas a maneira como ele a utiliza remete, antes, à tradição musical francesa, particularmente a Debussy e Ravel; Bartók e Stravinsky são também influências notáveis em sua formação.

Métaboles, estreada nos Estados Unidos em janeiro de 1965 sob a regência de George Szell, foi encomendada para a comemoração do quadragésimo aniversário da Orquestra de Cleveland. Sobre ela Dutilleux nos diz: “George Szell pediu-me para escrever especificamente para uma maior formação orquestral, ou seja, para madeiras e metais a quatro. Mas evidentemente me deu total liberdade em relação às dimensões e à forma da obra. Minha intenção foi me afastar do esquema formal da sinfonia. (…) Trata-se, em suma, de um concerto para orquestra. Cada uma das cinco partes favorece uma determinada família de instrumentos: madeiras, cordas, percussão, metais e todo o conjunto para finalizar.” O título Metáboles é explicado pela metamorfose do material musical, que, segundo o compositor, é submetido “por etapas sucessivas, a uma verdadeira mudança de natureza”. Os cinco movimentos encandeados sem interrupção levam a arte da variação a um alto grau de refinamento e complexidade.

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I – Incantatoire – Um pedal de contrabaixo na nota mi e um “coral” de madeiras no registro agudo, contrapostos a um acorde percutido na harpa, na celesta, no xilofone e nas cordas, expõem a ideia inicial desse movimento. Um solo de clarinete abre uma seção em que as madeiras dialogam, utilizando figuras melódicas sinuosas e rápidas. Incantatoire tem a forma de um rondó.

 

II – Linéaire – Segundo o compositor, esse movimento é uma canção que utiliza uma divisão das cordas em quatorze partes reais. Apesar da complexa polifonia, Dutilleux explora com sutileza a extremidade dos registros, a diversidade de volumes e o cantabile das cordas.

 

III – Obsessionnel – Movimento de grande força rítmica, é uma passacaglia rápida, cujo motivo obstinado explica o título.

 

IV – Torpide – Esse movimento é construído sobre um acorde que se repete e se desdobra em um coral de cordas e sopros. Os desenhos rítmicos da percussão e da celesta dialogam com as figuras melódicas das madeiras (clarinetes e flautas) e com o acorde gerador.

 

V – Flamboyant – É uma coda brilhante e de textura complexa. Acordes repetidos nas cordas e nos sopros, notas pedais e desenhos sinuosos nas madeiras e nos metais transformam, à maneira de Stravinsky, a orquestra num grande instrumento de percussão. A expansão e a variação do material temático dos movimentos anteriores demonstram de maneira clara a maestria, o rigor e a concisão da refinada escritura de Henri Dutilleux.

 

Rubner Abreu

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