Prometeu, Poema Sinfônico nº 3, op. 21

Leopoldo Miguez

(1895)

 

Embora nascido no Brasil, Leopoldo Miguez viveu toda a adolescência na Europa, onde, posteriormente, se aperfeiçoou em Composição. Foi um apaixonado pelos dramas musicais de Wagner e pelos poemas sinfônicos de Liszt, dos quais se tornou defensor convicto e grande difusor no Brasil. Seu poema sinfônico Prométhée é baseado no mito grego de Prometeu, que, por diversas vezes, foi transposto em sons, pois não raro sua tragicidade inspirou obras de diferentes compositores. Entre elas figuram a abertura As Criaturas de Prometeu (1801), de Beethoven, e a obscura canção Prometheus (1819), de Franz Schubert, sobre o poema homônimo de Goethe; além de obras orquestrais pertencentes ao século XX de Fauré, Scriabin, Carl Orff e Luigi Nono. Mas, certamente foi o Prometheus (1855) de Franz Liszt que inspirou o compositor brasileiro a criar a sua versão.

 

No Prométhée de Miguez percebem-se lampejos da Sinfonia Fausto de Liszt, assim como de características da orquestração do criador do gênero “poema sinfônico”, obra orquestral escrita geralmente em um só movimento, originada na abertura sinfônica. O poema sinfônico é sempre descritivo e sua partitura é, por vezes, acompanhada de texto ou programa que tem por objetivo evocar ideias extramusicais na mente do ouvinte. A ideia do poema sinfônico de Miguez se referencia no mito do rebelde titã Prometeu, que, com seu irmão Epimeteu, fora encarregado de criar os animais e o homem. Desobediente, Prometeu roubou o fogo dos deuses e deu-o aos homens para que pudessem firmar sua superioridade frente aos outros animais. A punição, outorgada por seu pai, Zeus – ou Júpiter –, fora mantê-lo eternamente amarrado a uma rocha enquanto abutres devorariam seu fígado. O compositor anexou à sua obra o seguinte programa:

“Prometeu vai ser punido por ter-se condoído da ignorância e miséria dos homens. Ante a severidade da pena compadecem-se os deuses da sorte do titã e imploram a clemência de Júpiter, inflexível, entretanto, às suas súplicas. Acorrentado ao rochedo, ouvindo as mágoas doloridas das Oceanides e o esvoaçar dos abutres que adejam sobre a sua cabeça, Prometeu conserva-se altivo e sobranceiro às dores que o afligem, sufoca as amarguras do presente e prenuncia a sua glória futura. E quando, repelindo os conselhos e as ameaças do mensageiro de Júpiter, é arrebatado na voragem, sobreleva ao fragor do cataclisma o lamento dos deuses que o deploram”.

 

Miguez estruturou seu poema sinfônico em três partes: na primeira, são apresentados os dois temas do Prometeu acorrentado: o tema da introdução, triste, porém nobre, é seguido pelo segundo tema, mais agitado, de melodias insistentemente repetidas, sugerindo a indignação do herói. Na segunda parte, arpejos de flauta introduzem o tema lamentoso das Oceanides dado pelas cordas e logo cortado pelo tema dos vorazes abutres, musicalmente representados por trinados agudos e forte percussão. Na terceira parte, os temas já apresentados desfilam num hábil desenvolvimento: o segundo tema de Prometeu e os temas das Oceanides e dos abutres. A tensão da agitada batalha temática é arrefecida no grande finale: o primeiro tema de Prometeu, que fora exposto melancolicamente na introdução, reaparece como um hino de redenção, solene e grandioso, para encerrar a obra.
Marcelo Corrêa
Pianista, Mestre em Piano pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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